Ao destacar o compromisso com o desenvolvimento pleno dos estudantes em suas diversas dimensões (intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica), a BNCC retoma orientações presentes na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNs), apresentando uma visão de educação integral que propõe a superação da divisão e hierarquização entre o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento emocional.
Sendo assim, cada uma das 10 competências gerais da BNCC integra aspectos cognitivos e socioemocionais, tais como: comunicação, criatividade, pensamento crítico e científico, empatia, comunicação e autoconhecimento.
Para a promoção de um campo analítico e crítico a respeito do estudante que se quer formar, é fundamental conhecer mais profundamente os aspectos socioemocionais presentes nessas competências. Assim, vale a pergunta: o que são competências socioemocionais?
Nos estudos sobre o tema realizados na área da Psicologia, competências socioemocionais são entendidas como influenciadoras do modo como uma pessoa pensa, sente, decide e age em determinada situação ou contexto. Hoje, sabe-se que elas não são fixas, ou seja, são flexíveis e maleáveis, manifestando-se com intensidade e modos diferentes de acordo com os elementos sociais e culturais que atravessam a história de cada pessoa, e sendo, assim, possíveis de serem desenvolvidas ao longo da vida.
MODELO DAS 5 MACROCOMPETÊNCIAS
Existem diferentes modelos científicos que visam a organizar os estudos das competências socioemocionais. Os pesquisadores do Instituto Ayrton Senna adotam um que organiza a ampla variação de competências socioemocionais em cinco macrocompetências. São elas: abertura ao novo, autogestão, engajamento com os outros, amabilidade e resiliência emocional.
Esse modelo foi escolhido porque organiza as competências socioemocionais de forma abrangente e, ao mesmo tempo, específica, a partir de estudos sobre competências socioemocionais identificadas e validadas cientificamente por meio de experiências práticas em diversos contextos, localidades e culturas.
Além disso, há uma quantidade expressiva e significativa de evidências científicas no Brasil e no mundo que validam a importância desse modelo para diversos resultados alcançados ao longo da vida.
No contexto brasileiro, as cinco macrocompetências foram desdobradas em 17 competências socioemocionais identificadas como importantes de serem consideradas e desenvolvidas nas escolas do país.
São elas: determinação; foco; organização; persistência; responsabilidade; empatia; respeito; confiança tolerância ao estresse; autoconfiança; tolerância à frustração; iniciativa social; assertividade; entusiasmo; curiosidade para aprender; imaginação criativa e interesse artístico.
Essas 17 competências socioemocionais não abarcam todas as existentes, mas compreendem os aspectos socioemocionais que estão explicitados nas 10 competências gerais da BNCC.
Confira, na imagem abaixo, a relação entre as cinco macrocompetências e as 17 competências socioemocionais mencionadas.
Diz respeito à capacidade de uma pessoa ser flexível, apreciativa diante de situações desafiadoras, incertas e complexas. Tem relação com a disposição para novas experiências estéticas, culturais e intelectuais. O que as evidências dizem: estudos relacionam o desenvolvimento das competências socioemocionais curiosidade para aprender, imaginação criativa e interesse artístico com: menor número de faltas na escola, avanço na escolaridade, aceleração do desenvolvimento de habilidades cognitivas, aumento de notas escolares e aumento do desempenho acadêmico nos componentes curriculares de Língua Portuguesa, História, Geografia, Física e Biologia. O desenvolvimento dessas competências socioemoecionais também está relacionado à realização de metas na futura vida profissional dos estudantes.
Diz respeito à capacidade de conhecer pessoas e ser afetuoso, solidário e empático, ou seja, ser capaz de compreender, sentir e avaliar uma situação pela perspectiva e repertório do outro, colocando-se no lugar dessa pessoa. O que as evidências dizem: estudos relacionam o desenvolvimento das competências socioemocionais empatia, respeito e confiança com a conclusão do Ensino Médio e a diminuição de indicadores de violência.
Diz respeito à capacidade de ter foco, responsabilidade, precisão, organização e perseverança com relação a compromissos, tarefas e objetivos estabelecidos para a vida. Também está relacionada à capacidade de autorregulação. O que as evidências dizem: estudos relacionam o desenvolvimento das competências socioemocionais determinação, foco, organização, persistência e responsabilidade com: o avanço na escolaridade, o aumento de notas escolares e em avaliações externas, o aumento do nível de conhecimento e desempenho acadêmico em leitura, escrita e nos componentes curriculares de Matemática e Química. O desenvolvimento dessas competências socioemoecionais também está relacionado à realização de metas na futura vida profisisonal dos estudantes.
Diz respeito à motivação e à abertura para interações sociais. O que as evidências dizem: estudos mostram que o desenvolvimento das competências socioemocionais iniciativa social, assertividade e entusiasmo evita a evasão escolar e, na vida adulta, está relacionado a realizações no mundo do trabalho, à empregabilidade e ao equilíbrio salarial.
Diz respeito à capacidade de aprender com situações adversas e lidar com sentimentos como raiva, ansiedade e medo. O que as evidências dizem: estudos relacionam o desenvolvimento das competências socioemocionais tolerância ao estresse, autoconfiança e tolerância à frustração com o aumento das chances de ingresso no Ensino Superior e o aumento do desempenho acadêmico. Além dos resultados educacionais, o desenvolvimento dessas competências socioemocionais está relacionado à redução de faltas no trabalho, ao equilíbrio salarial, ao aumento das chances de reemprego, ao aumento do desempenho no emprego, à melhoria da saúde de adultos, à diminuição de distúrbios alimentares e à redução da probabilidade de depressão e propensão ao suicídio.
RAIO-X DAS 10 COMPETÊNCIAS GERAIS DA BNCC
Uma análise das 10 competências gerais da BNCC buscou verificar quais das cinco macrocompetências e das 17 competências socieomocionais abordadas acima são mencionadas ou representadas no documento. Veja detalhes do resultado:
Evidências e socioemocionais na vida
AS COMPETÊNCIAS NOS CURRÍCULOS E NAS ESCOLAS
As 10 competências gerais da BNCC deixam evidente o compromisso que a Educação Básica brasileira e os educadores dessa etapa do ensino precisam ter com relação à formação de estudantes para que sejam capazes de se colocar no lugar do outro, ser colaborativos, flexíveis e sensíveis às questões coletivas.
A análise e os materiais destacados aqui mostram a importância que competências como organização, pensamento crítico e criatividade também têm para o desenvolvimento pleno dos estudantes na vida escolar e adulta.
Sendo assim, o desenvolvimento socioemocional não pode constar em uma parte isolada dos textos do currículo, nem pode aparecer neles de forma subentendida, pouco valorizada ou apenas a serviço da aprendizagem de conteúdos.
A partir dos currículos estaduais e municipais, as escolas, em seus Projeto Político Pedagógicos (PPPs), devem planejar experiências e vivências de aprendizagem dos estudantes que contemplem o desenvolvimento intencional das habilidades e competências mencionadas em aula.
O ambiente escolar oferece inúmeras oportunidades de identificar, desenvolver e colocar em prática essas competências, pois é lá que o estudante passa parte significativa do seu tempo, em contato com o saber, os colegas e os professores, enfrentando desafios, seja em relação ao aprendizado, seja em relação ao convívio social.
COMO ESCREVER “DESENVOLVIMENTO PLENO”
Chegou a hora de colocar a mão na massa!
A seguir, veja algumas sugestões sobre como escrever sobre desenvolvimento pleno em cada parte do texto introdutório do currículo.
Essas ideias devem ser consideradas para orientar a escrita de todo o documento quanto à concepção das áreas, das didáticas, da formação continuada dos professores e dos estudantes que se pretende formar dentro da perspectiva da educação integral.
Na parte de “Marcos legais” do texto introdutório, a escrita sobre desenvolvimento pleno (ou biopsicossocial) deve mencionar que as competências cognitivas e socioemocionais são promotoras desse desenvolvimento.
Na parte de “Visão de estudante e de educação”, é importante destacar, especificamente quanto à visão de educação, que a dimensão socioemocional – entendida como o conhecimento de si, a capacidade de estabelecer objetivos e persistir em alcançá-los, a capacidade de ter sensibilidade com relação ao outro e às diferenças, a capacidade de tomar decisões íntegras, entre outras – é tão importante para a aprendizagem e a concretização de projetos de futuro e realizações na vida quanto os conhecimentos comumente associados ao aprendizado escolar.
Também é necessário mencionar que o desenvolvimento socioemocional, embora indissociável do desenvolvimento cognitivo, requer outras estratégias para acontecer, não sendo resultante da apropriação de conteúdos verificados pela lógica (“aulas sobre o que é empatia”, por exemplo), mas sim de uma aprendizagem que acontece a partir da experiência e da prática de metodologias ativas de ensino e de aprendizagem.
A intencionalidade no processo de desenvolvimento de competênciais socioemocionais nas escolas é crucial, pois quando os estudantes têm consciência das competências socioemocionais que estão sendo desenvolvidas, eles passam a acreditar e a ter confiança em sua própria capacidade de realizar uma tarefa ou resolver um problema que exija habilidades relacionadas ao que está sendo ou já foi aprendido; é o que chamamos de autoeficácia.
Dessa forma, ao se depararem com novos desafios no futuro, a probabilidade de saberem lidar com a situação e se sentirem confiantes é maior.
Em diálogo com a concepção de educação integral, na parte de “Temas contemporâneos” do texto introdutório, devem ser destacados aspectos mais diretos que possibilitam a promoção do desenvolvimento pleno dos estudantes.
Entre esses aspectos, podem estar a indicação e a abordagem de temas transversais e integradores nos componentes curriculares ou até mesmo a construção de uma matriz de competências da rede ou sistema de ensino que oriente a forma de trabalho nas escolas considerando a necessidade de formar sujeitos plenos para viver no século 21.
Na parte de “Diretrizes do que o estudante deve saber”, é possível prever justamente a elaboração de uma matriz de competências, que, ao levantar e definir competências específicas que os estudantes devem desenvolver no contexto local, é capaz de comunicar a todos o sujeito que se quer formar na perspectiva da educação integral.
A matriz construída pela rede ou sistema de ensino é importante para que fique evidente aos gestores, professores, estudantes, familiares e demais atores das comunidades escolares as escolhas pedagógicas intencionais a constar nos Projetos Político Pedagógicos (PPPs) das escolas e nos planejamentos de aulas dos professores.
Para a construção de uma matriz de competências, é importante considerar o resultado das escutas com estudantes, familiares e demais atores da comunidade escolar feitas para escrever sobre a visão de estudante no texto introdutório. Depois, é necessário analisar o resultado dessas escutas.
Também é preciso levar em conta as 10 competências gerais da BNCC, considerando o raio-x realizado a partir das macrocompetências socioemocionais e as 17 competências socioemocionais identificadas como importantes de serem desenvolvidas na realidade escolar brasileira.
A matriz de competências não pode ser planejada e construída em forma de lista. Ela dever ser criada como uma imagem que representa a relação entre as diferentes competências socioemocionais.
O texto introdutório também precisa garantir que as competências socioemocionais previstas na matriz da rede ou sistema de ensino tenham o seu desenvolvimento acompanhado nas escolas, por meio, por exemplo, de avaliações formativas.
Esse tipo de avaliação possibilita que os próprios estudantes sejam, junto aos professores, responsáveis pelo acompanhamento e desenvolvimento de seu aprendizado sob uma perspectiva personalizada e individual.
Lembre-se de que a matriz precisa ser viável em termos de implementação. Isso implica planejar e escrever como ela poderá ser intencionalmente trabalhada nas escolas, pensando, inclusive, nos momentos posteriores de formação docente.