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Criatividade e Pensamento Crítico

Evidências e estratégias para promover as competências híbridas fundamentais para o enfrentamento dos desafios do século 21.

44 MIN
21 ago 2022
Instituto Ayrton Senna Instituto Ayrton Senna

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Apresentação

Considerando a importância de estimular o desenvolvimento da Criatividade e do Pensamento Crítico na Educação Básica, este guia tem como objetivo contribuir com referências e inspirações que possibilitem pensar caminhos nesse sentido. Longe de apresentar soluções prontas ou um “passo a passo” pré-determinado, este material pretende apoiar aqueles que se deparam com questionamentos como: O que são essas competências? Como se expressam? Quais situações podem ser mais propícias para estimular o seu desenvolvimento na escola?  

O ato de questionar, aliás, é um dos atributos do pensamento criativo e crítico. Já parou para pensar quantas vezes no seu dia a dia você reflete sobre a veracidade de alguma informação ou opinião que lê nas redes sociais? Ou em quantos momentos você pensa que gostaria de fazer algo diferenciado ao apresentar um trabalho, que não seja do jeito que todo mundo sempre faz? Essas, por exemplo, são situações em que você pode exercitar o seu potencial crítico e criativo. 

Essenciais para uma vida com mais autonomia, essas competências podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa, em qualquer idade.  Os estímulos presentes no contexto à nossa volta e as nossas vivências têm importante contribuição para o seu desenvolvimento.  Conhecer mais essas duas competências é um primeiro passo para estimulá-las intencionalmente em si mesmos e nos outros. Por isso, neste guia serão compartilhados conteúdos com o intuito de contribuir com quem está começando a pensar nesse tema e também com aqueles que já se dedicam à educação integral de crianças, jovens e adultos. 

 Aqui, formuladores de políticas públicas, gestores educacionais, coordenadores pedagógicos, professores, estudantes e qualquer pessoa interessada no assunto terão acesso a materiais atuais sobre o tema, como conceitos, análises, reflexões e algumas sugestões práticas para seu desenvolvimento. Tais conteúdos têm como objetivo apoiar iniciativas de educação integral que articulem conhecimentos e competências para a vida. 

Este é um material em constante aprimoramento, estando longe de uma visão única e definitiva sobre Criatividade e Pensamento Crítico. Ao longo dos próximos meses, novos conteúdos serão incorporados, em um trabalho colaborativo e inspirador de muitos educadores parceiros do Instituto Ayrton Senna. 

POR QUE PROMOVER CRIATIVIDADE E PENSAMENTO CRÍTICO NAS ESCOLAS?

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Educação do século 21 para o desenvolvimento pleno

O mundo contemporâneo muda muito rapidamente. Em inúmeros contextos, as pessoas se veem diante de situações desafiadoras e complexas, que são permeadas pela desigualdade e instabilidade social. Lidamos com um volume e velocidade de informações maior, quando comparado a uma ou duas décadas atrás.  

Enfrentamos desafios com as fakes news e pós-verdades, que nos convocam a investigar frequentemente as fontes de nossas informações. Aliado a isso, temos à nossa porta um conjunto de problemas ambientais, sociais e econômicos que nos exigem soluções inovadoras. Diante deste cenário, a discussão sobre como a educação pode permear essas questões, contribuindo para o desenvolvimento integral, é essencial.  

É nesse contexto que ganham ainda mais relevância as iniciativas que visam organizar e definir o amplo conjunto de competências existentes e possíveis de serem fortalecidas por cada pessoa. Historicamente, a escola sempre foi – e continuará sendo – um ambiente de socialização e de acesso ao conhecimento.

No entanto, se antes o foco era quase exclusivo no domínio de conteúdo, hoje há espaço para favorecer o aprendizado em seu sentido mais amplo. Para que isso se concretize, é necessária a promoção de práticas educacionais que visem o desenvolvimento de competências do século 21 para a vida de crianças, adolescentes e jovens, como é o caso, por exemplo, de Criatividade e Pensamento Crítico.  

Atualmente, os currículos das escolas brasileiras devem ter como norte a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento contou com contribuições de educadores e especialistas para explicitar quais são as aprendizagens que todo estudante brasileiro do ensino básico tem direito de desenvolver, independentemente da rede de ensino em que estude. 

Ele também estabelece que a educação deve proporcionar o desenvolvimento pleno dos estudantes e deve resultar em oportunidades equânimes e inclusivas para que todos possam viver com autonomia diante dos inúmeros desafios de nosso tempo. O marco firma, assim, um compromisso formal com aquilo que muitos já defendem como ideais de uma educação integral. 

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O que é educação integral?

A educação integral amplia o propósito da escola ao considerar as múltiplas dimensões humanas – cognitivas, emocionais, motivacionais, sociais, corporais e culturais. Ao valorizar essas dimensões com o mesmo cuidado com que se faz com o conteúdo tradicional, suas propostas tornam explícita a intenção de desenvolver o estudante como um todo, e não apenas na aquisição de conhecimentos fragmentados.  

Políticas públicas, práticas de gestão, formação de professores, ações de planejamento escolar e metodologias de ensino e aprendizagem usadas por cada professor, em qualquer aula ou componente curricular, podem contribuir com esses ideais.

A BNCC busca levar a educação integral às escolas ao elencar um conjunto de dez competências gerais tidas como essenciais para uma formação que contribua para a vida no mundo contemporâneo. Elas combinam aspectos cognitivos, socioemocionais e híbridos. 

A Criatividade e o Pensamento Crítico são competências complexas e híbridas. Elas são compostas por elementos cognitivos (conhecimento sobre o assunto), metacognitivos (autorreflexão sobre nosso modo de pensar e criar) e socioemocionais (e. g. autogestão, abertura ao novo). As competências socioemocionais são capacidades individuais que se manifestam nos modos de pensar, sentir e agir para se relacionar consigo mesmo e com os outros, estabelecer objetivos, tomar decisões e enfrentar situações adversas ou novas. 

Conheça as 10 competências gerais da BNCC:

POR QUE PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVIDADE?

A Criatividade e o Pensamento Crítico vêm ganhando cada vez mais espaço nas discussões sobre o que precisamos desenvolver nos estudantes. Essas duas competências são particularmente relevantes para que cada pessoa possa analisar, filtrar, selecionar e usar informações. Assim, se favorece o estabelecimento de novas conexões entre saberes e criação de diversas possibilidades de uso das informações.  

Recentemente, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) realçou a importância dessas duas competências. Os resultados de um grande projeto colaborativo sobre o tema, liderado pela organização e que contou com a participação do Brasil, foram apresentados em 2019.

Na conferência internacional “Habilidades de Criatividade e Pensamento Crítico na Escola: Avançando a Agenda”, foi estabelecido um consenso crescente de que a educação formal deve contribuir com o desenvolvimento intencional da Criatividade e do Pensamento Crítico de estudantes. 

Apesar disso, esse objetivo é dificultado por um entendimento limitado sobre como esse tema pode ser intencionalmente trabalhado no cotidiano das escolas.

“Promover a Criatividade e o Pensamento Crítico de formas mais sistemáticas e efetivas requer o desenvolvimento de estratégias e ferramentas que auxiliem professores, estudantes e formuladores de políticas públicas a articular essas competências de forma mais visível e tangível, especialmente como parte do currículo”, segundo argumento do material de apoio do evento.  

DEPOIMENTO VERÔNICA SANTOS

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Como resultado da iniciativa da OCDE, foi lançado o relatório ‘Desenvolvimento da Criatividade e Pensamento Crítico dos Estudantes – O que significa na escola’, traduzido para o português pelo Instituto Ayrton Senna.

O relatório traz os principais achados do projeto no qual, ao longo quatro anos, equipes de onze países utilizaram uma base conceitual comum para elaborar instrumentos de avaliação e de desenvolvimento dessas competências em âmbito escolar.

O Brasil integrou a publicação por meio de ação realizada pelo Instituto Ayrton Senna, implementada em Chapecó (SC), em parceria com as secretarias municipal e estadual de Educação e a FIESC (Federação das Indústrias de Santa Catarina).  

As experiências bastante diversificadas de cada país integrante do projeto, permitiram à organização reunir sugestões para ações de formação de professores com este enfoque, além de um repositório com planos de aula que explicitam a criatividade e o pensamento crítico em diversos componentes curriculares, como matemática, linguagens, ciências e artes.

O repositório também conta com rubricas que apoiam o monitoramento e a avaliação formativa de estudantes, de forma a apoiá-los a avançar no desenvolvimento de cada competência, segundo seus próprios objetivos.  

PISA E PENSAMENTO CRIATIVO

De acordo com a OCDE, os aprendizados obtidos com esse projeto foram inspirações para a inserção de um novo componente no PISA 2022, que avaliará o pensamento criativo, uma das manifestações da competência de Criatividade. O PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação do Estudante) é um sistema de avaliação administrado pela OCDE a cada três anos para diagnosticar os níveis de habilidades e conhecimentos dos estudantes de 15 anos.

Além dos países membro do grupo, outros podem aderir à aplicação, como é o caso do Brasil. Mais de meio milhão de estudantes de 72 países participaram do ciclo de 2015. O PISA avalia o aprendizado em matemática, ciências e leitura, além de um quarto domínio inovador que muda a cada ciclo. 

A seguir estão reunidos alguns dos principais conhecimentos da atualidade sobre o que são Criatividade e Pensamento Crítico, como se manifestam e o que estas duas competências têm em comum.

O QUE DIZEM ESPECIALISTAS SOBRE ESSAS COMPETÊNCIAS

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O QUE É CRIATIVIDADE?

Para o senso comum, a Criatividade é vista, muitas vezes, como um dom ou talento inato, pertencente a poucas pessoas que teriam o privilégio de ter nascido criativas. Com base nessa crença, não se esperaria que todas as pessoas pudessem ter algum tipo de criatividade ou receber estímulos para isso. É comum ouvirmos frases do tipo: “Não nasci criativo” ou “Não sou criativo porque na minha família não tem ninguém criativo”.  

Outra crença comum sobre a criatividade é que ela seria uma expressão típica do campo das artes e, portanto, o local natural para o desenvolvimento da criatividade ficaria restrito às aulas de educação artística. Desse modo, produções inovadoras relacionadas a domínios mais técnicos ou cotidianos não seriam, em geral, entendidas como manifestações da criatividade.  

A ciência contemporânea, ao reunir diversas evidências e propor uma sistematização do que se sabe sobre Criatividade até o momento, traz outro entendimento sobre o que é esta competência. Há duas palavras-chave que caracterizam e definem a criatividade: inovação e propósito.

A inovação diz sobre a elaboração de algo novo, como ideias, produtos e formas de pensar inéditas. Já o propósito está relacionado com atingir o objetivo que se tinha no início. Ou seja, aquilo que foi criado responde às demandas para qual ele foi pensado? Ele cumpre o propósito? Em síntese, a Criatividade se refere à capacidade de gerar, avaliar e aprimorar ideias que resultem em soluções inéditas e úteis dentro de um contexto específico.

Juntos, esses elementos nos dão pistas sobre quais habilidades estão envolvidas na experiência criativa. 

Elaborar algo novo e útil requer, antes de mais nada, conhecimento prévio sobre o tema em questão. Esse conhecimento envolve nos apropriarmos do que já foi produzido e pensado sobre o assunto, quais são as lacunas e os avanços até o momento.

Ao ampliarmos nosso leque sobre um assunto, conseguimos estabelecer novas conexões entre informações e, assim, elaborarmos ideias. Conhecer o que já foi feito e quais são os obstáculos ou dificuldades na área nos possibilita trazermos algo realmente útil ao contexto em que estamos inseridos.

Além do conhecimento específico sobre o tema que está sendo trabalhado, conhecer também o conceito de Criatividade, seus atributos e formas de ser criativo ajuda a sistematizar e, com isso, operacionalizar nosso comportamento criativo. Isso quer dizer que há formas ou estratégias que podemos adotar, em seus diferentes níveis de complexidade, para sermos criativos.

Ao invés de um talento inato e reservado a artistas, a Criatividade é compreendida como uma competência possível de ser desenvolvida e estimulada em todos os níveis educacionais, em todas as áreas do conhecimento.

Ela também pode estar relacionada com atividades que visem dar soluções inovadoras a um problema, e é entendida como uma competência que oferece grande potencial ao ser humano que se dispõe a enfrentar o novo e seguir avançando na ciência, tecnologia, comunicação, artes e em muitos outros campos.  

Em síntese, entender o que é Criatividade é entender que sua expressão envolve a elaboração de ideias, processos e/ou produtos que apresentam algum grau de ineditismo (ainda que apenas para a própria pessoa, quando pensamos no do dia a dia da escola) e que tragam soluções que cumpram o seu propósito.

Uma simples reprodução de uma solução aplicada em outro contexto não pode, desse modo, ser compreendida como uma produção ou um processo criativo. É importante lembrar que todo ato criativo é, em certa medida, um ato autoral, pois é resultado de um pensamento divergente.  

Quer saber um pouco mais sobre a Criatividade? Leia o texto O Papel da Criatividade na Educação do Século 21’, que a pesquisadora Denise de Souza Fleith preparou para nosso guia. 

COMO A CRIATIVIDADE SE MANIFESTA?

Como foi possível notar, a Criatividade é uma competência complexa e híbrida, pois surge da composição de elementos distintos, como, por exemplo, conhecimentos e saberes, capacidade de resolução de problemas e competências metacognitivas e socioemocionais. Além disso, dependendo da natureza do problema a ser resolvido, outros aspectos cognitivos e socioemocionais específicos podem ser requisitados pela Criatividade, como, por exemplo: 

Comunicação, empatia, iniciativa social, assertividade e entusiasmo – para resolução de problemas que envolvam interação social

Autoconsciência, determinação, persistência, responsabilidade, foco, organização, tolerância ao estresse, tolerância à frustração e autoconfiança – para desenvolver resistência à fadiga durante a resolução de problemas

É importante ter em mente que a Criatividade é atravessada por valores culturais, o que significa que certas manifestações da criatividade são mais reconhecidas e legitimadas do que outras. Essa valorização depende do contexto cultural, social e histórico no qual a pessoa está inserida.  Valorizar um comportamento é a maneira mais efetiva de torná-lo frequente.  Assim, ao se observar as atitudes de alguém durante um processo de criação (seja de um projeto, de uma apresentação ou de proposta de solução para um impasse), é possível aproveitar as situações para reforçar a expressão criativa dessa pessoa. Essa sensibilidade é essencial para os contextos de ensino e aprendizagem, visto que muitas manifestações da criatividade podem passar despercebidas por não estarem explícitas no produto final.  

A psicologia contemporânea identifica quatro expressões importantes para se observar no processo criativo. Confira: 

  1. Entender as informações associadas com um desafio, ideia ou objetivo que se apresenta é essencial para elaborar solução criativa que cumpra seu propósito. Esse é o momento para tentar conhecer com certo detalhamento e precisão a situação ou desafio em questão.  
  2. A projeção ou imaginação criativa se refere ao momento em que se possibilita liberdade à imaginação e fluidez ao pensamento. Aqui, o pensamento divergente, ou a “chuva de ideias”, entra em ação.  O desafio/ideia em questão é interiorizado e passa por associações que somente aquela pessoa faz, de forma bastante subjetiva, pois se refere às outras experiências que integram sua biografia. É um momento de compreensão do desafio em relação a um universo específico de informações e sentimentos particulares de cada um. Além disso, essa etapa já passa a contar com conexões que podem ser acionadas para uma possível resolução da situação.  
  3. A etapa de colocar em prática as ideias elaboradas é bastante importante, pois é quando a pessoa faz o possível para concretizar os passos que projetou na etapa anterior e testa a viabilidade ou a efetividade de uma ideia ou solução. Nesse momento, a pessoa faz grande uso do pensamento convergente, ou seja, vai confrontando as ideias produzidas com elementos da realidade. 
  4. Por fim, é importante realizar a etapa de reflexão, pois é quando ocorre a apropriação das etapas do pensamento criativo e da implantação das ideias que elaborou, aprendendo conscientemente com a própria experiência e, desse modo, articulando seu esforço e suas habilidades para o aperfeiçoamento. 

É essencial considerar essas quatro etapas da Criatividade ao planejar intervenções pedagógicas que tenham como foco a promoção dessa competência.  Quando um estudante se depara com um conhecimento novo, por exemplo, o primeiro passo é tentar entendê-lo, exercitando a abertura e interesse para investigar suas origens e as várias implicações desse conhecimento e como ele se manifesta. Depois, é hora de dar asas à própria imaginação e se conectar com sua rede de conhecimentos, com a projeção de usos diversos para a nova informação ou com a possibilidade de resolução de algum problema.  

Esse processo é, muitas vezes, exclusivamente privado ou subjetivo, uma vez que está ocorrendo mentalmente e não é compartilhado ou socializado. Por isso, essa expressão da criatividade tem impacto apenas para a própria pessoa. O produto da atividade criativa pode também ter impacto no ambiente imediato, em alguma medida, com pessoas e elementos que estão envolvidos com o problema em questão. Colocar ideias em prática, pensar em ações concretas, lidar com as dificuldades que possam aparecer pelo caminho, ter flexibilidade para reposicionar as ideias ou propostas de solução, abrir-se para o feedback dos outros envolvidos e para o desafio que se impõe é fundamental para construir conhecimento e se apropriar do próprio processo de resolução de problemas.  

Por sua própria natureza, essa forma de expressar a criatividade envolve a expressão compartilhada, seja entre estudantes, ou apenas entre um estudante e seu professor.  Por isso, essa é a etapa mais propícia para a intervenção do educador, para incentivar, valorizar e dialogar com o estudante, facilitando o desenvolvimento da criatividade de maneira intencional e explícita.  

Em inúmeros estudos e linhas de pesquisa, a manifestação da criatividade está diretamente relacionada ao “produto criativo” que, além de ser algo novo, deve ser apropriado para cumprir um determinado propósito e gerar reconhecimento social. Por isso entende-se que não basta fazer algo diferente para ser considerada uma produção criativa, é preciso também que seja algo relevante para mais de uma pessoa.  

 

Principalmente em contextos educacionais, é essencial, além de observar a produção final do estudante, reconhecer e valorizar o processo pelo qual cada um  vivencia as etapas da expressão da criatividade. É também fundamental observar a forma como o jovem se percebe e quais crenças ele possui sobre sua própria criatividade em cada atividade específica, ainda que não detenha reconhecimento social como uma pessoa destacadamente criativa de modo geral.  

É possível identificar características bastante particulares, que variam em função de cada contexto, que atuam como indicativos para se considerar uma pessoa como criativa. Além disso, a criatividade não se trata de uma competência geral e abstrata, independente de uma situação ou domínio de conhecimento. Cada indivíduo pode ser mais criativo em uma determinada tarefa e menos criativo em outra, pois a criatividade depende do contexto e da situação na qual é requisitada, variando também em função do conhecimento que se tem sobre uma situação ou área.  

Apesar de haver características particulares associadas à criatividade, pesquisadores buscam identificar características comuns em diversos processos criativos. Um exemplo é a teoria dos 4Cs que organiza as manifestações criativas em quatro níveis de complexidade da sua expressão:  

  • Mini-c: é o nível inicial.  Envolve deias e ações que têm impacto pequeno e apenas para a pessoa em si.  
  • Pequeno-c: é o segundo nível. Refere-se à resolução de problemas que afetam o cotidiano. Não basta apenas uma ideia, é preciso que tenha aplicabilidade e que possa impactar a vida de outras pessoas.  
  • Pro-c:  este terceiro nível está relacionado a resolução de problemas que afetam contextos coletivos, isto é: resolução de problemas de ordem mais ampla e direcionada a um campo de conhecimento técnico ou profissional. 
  • Grande-c: o quarto nível e se refere à resolução de problemas que afetam grandes contingentes de pessoas, a sociedade ou a cultura. Faz referência às conquistas de pessoas eminentes na história. 

Agora que foram apresentadas as principais características de criatividade e como ela pode ser aplicada, será abordada a competência de Pensamento Crítico.  

O QUE É PENSAMENTO CRÍTICO?

O Pensamento Crítico pode ser definido como uma competência que envolve que envolve refletir, analisar (de modo racional e informado) e se posicionar sobre um assunto ou situações do cotidiano. É pensar com a devida reflexão, fazendo uma análise cuidadosa que considera um conjunto de evidências e informações para orientar a tomada de decisão. 

Pensar criticamente também envolve pensar sobre o próprio pensamento, o que chamamos de metacognição. Entender como o modo de pensar, os sentimentos e as crenças de uma pessoa influenciam a forma como ela reflete, analise e se posiciona é importante para que se possa identificar vieses, padrões na forma de agir e aperfeiçoar o pensamento crítico.

É uma competência híbrida que dá recursos para que uma pessoa adote uma postura racional e analítica frente a situações do cotidiano. Ele envolve: 

  • Pesquisar e utilizar diferentes informações para aperfeiçoar uma ideia ou posicionamento, tomar uma decisão e aprender;   
  • Compreender o contexto em que o tema está inserido e todos os elementos que o compõem;
  • Fazer uma análise de validade e pertinência, avaliando os fatos, informações, argumentos e sua coerência;
  • Refletir sobre porquê pensamos de determinada maneira e como nossos sentimentos e aquilo em que acreditamos influenciam o raciocínio;
  • Dialogar sobre um tema com pessoas que concordam e/ou discordam da sua visão, aprendendo com o ponto de vista dos outros. 

O Pensamento Crítico pode ser exercitado sempre que alguém se depara com alguma informação, situação ou atitude. Em suma, trata da análise da validade dessas informações (compreendendo os fatos, a lógica, a coerência argumentativa etc.), sua origem (quem e o que motivou a construção e divulgação da informação) e finalidade (a quem a informação pretende chegar e com qual objetivo).  Aproxima-se do pensamento filosófico (lógica, por exemplo) e científico, pois é entendido como uma expressão de racionalidade. 

No senso comum, o pensamento crítico costuma ser visto de forma simplificada, e muitas vezes é associado a pessoas com posturas negativistas, resistentes a qualquer informação ou posição diferente, e até mesmo ao ceticismo puro. O Pensamento Crítico não envolve: 

  • Ser rude ou negativista; 
  • Discordar de tudo e rejeitar uma ideia sem conhecê-la;
  • Pensar de uma determinada forma por influência de alguém, sem refletir sobre o assunto;   
  • Receber informações ou formar opiniões se baseando somente em um canal de comunicação;
  • Passar informações à diante sem avaliar se são verdadeiras;
  • Achar que sempre somente seu ponto de vista é válido, mesmo que fundamentado.   

É essencial modificar essa compreensão, identificando as diversas facetas dessa competência e as etapas necessárias para se chegar a um posicionamento embasado por uma análise crítica.   

Assim como na criatividade, no caso do pensamento crítico não podemos considerá-lo apenas uma competência “inata”, com a qual alguém já nasce ou não, e sim algo que pode ser estimulado e desenvolvido por todos. É uma competência que tem efeitos notáveis no dia a dia em uma sociedade que demanda cada vez mais tomada de decisão embasada em argumentos coerentes, análise de informações variadas e construção de posicionamentos sobre as mais diversas temáticas.  

Quando o Pensamento Crítico se mostra bem desenvolvido, também é caracterizado pela superação de binarismos, simplificações e egocentrismos: uma informação não é categorizada simplesmente como boa ou má, adequada ou inadequada, algo que alguém gosta ou não gosta. Ele se expressa pela problematização, decomposição e ressignificação da informação ou situação.

COMO O PENSAMENTO CRÍTICO SE MANIFESTA?

Do ponto de vista da psicologia, há pesquisas que sugerem que o desenvolvimento do pensamento crítico ocorre em estágios intrinsecamente relacionados à complexidade e maturidade do próprio pensamento. Na prática, esses estágios não acontecem de forma “pura” ou em uma progressão linear. Além disso, uma pessoa pode apresentar características de mais de um estágio.  Isso pode acontecer, por exemplo, quando se possui uma boa capacidade de identificar os principais conceitos e ideias envolvidos nos argumentos, mas há dificuldade em deixar as próprias crenças de lado para avaliar uma ideia.  

Os estágios a seguir ilustram formas de expressão do Pensamento Crítico que podem ser observadas no dia a dia. Portanto, esses estágios não devem ser confundidos com rótulos ou perfis estáticos, mas sim considerados como exemplos que ajudam a concretizar a complexidade e nuances do Pensamento Crítico: 

Estágio 1 

As pessoas têm dificuldade em se apropriar conscientemente do próprio pensamento, ou seja: não costumam pensar sobre o pensar. Agem mais pelo calor do momento, sem considerar o efeito do modo como pensam em situações concretas do dia a dia. Desconhecem e não fazem uso de grande parte dos atributos relacionados à avaliação do pensamento: clareza, exatidão, precisão, relevância, coerência e finalidade. 

Pode haver o desenvolvimento de certas habilidades do pensamento crítico sem estarem conscientes delas. Preconcepções e visões equivocadas sobre um determinado assunto frequentemente minam a qualidade do pensamento. 

Estágio 2 

No segundo estágio, as pessoas já conseguem começar a ter consciência do próprio pensamento, do papel determinante que ele desempenha em suas vidas e de como sua forma de pensar pode trazer desafios para seu dia a dia. Entendem, em algum nível, que o pensamento crítico requer reflexão deliberada sobre o pensar, a fim de desenvolvê-lo. Reconhecem que seu pensamento pode ter limitações, embora não sejam capazes de identificar com clareza muitas das falhas e imprecisões. 

Estágio 3 

Nesse estágio as pessoas assumem ativamente o desafio de refletir sobre seus pensamentos e regulá-los em vários domínios de suas vidas. Ao contrário do estágio 2, aqui há consciência não apenas do pensamento e da forma de pensar, mas também do papel do pensar sobre conceitos, suposições, inferências, implicações, pontos de vista etc. Além disso, são capazes de acolher as críticas à sua forma de pensar.

Conseguem reconhecer que têm pontos a melhorar em seu pensamento e fazem tentativas iniciais de entender como podem melhorá-lo. Com base nessa compreensão inicial, começam a modificar alguns de seus pensamentos, mas têm um conhecimento limitado acerca do que precisam desenvolver. Falta-lhes um plano sistemático para aperfeiçoar o raciocínio e recorrem com frequência a estratégias mais egocêntricas e etnocêntricas, por exemplo.  

Para o trabalho pedagógico, esse é um estágio particularmente relevante, pois há muita abertura individual para redesenhar o modo de pensar e analisar o mundo. 

Estágio 4 

Nesse estágio as pessoas já têm uma noção dos hábitos que precisam desenvolver para assumir o controle de seu pensamento e, assim, aperfeiçoá-lo. Não apenas reconhecem que existem problemas, mas também percebem a necessidade de agir sobre eles de modo global e sistemático.

Tendem a analisar ativamente seu pensamento em vários domínios. No entanto, por estarem apenas começando a aperfeiçoar o pensamento de uma maneira sistemática, ainda têm um conhecimento limitado sobre os níveis mais profundos do pensamento e sobre os problemas relacionados a ele. Têm habilidade suficiente para pensar criticamente e monitorar os próprios pensamentos e, assim, podem efetivamente articular forças e fraquezas do ato de pensar.  

Começam a perceber o que seria necessário para monitorar sistematicamente o papel de seus conceitos, suposições, inferências, implicações, pontos de vista etc. Nesse estágio, começam também a abandonar o módulo binário (bom x mau, por exemplo) do modo como avaliam informações e acontecimentos. Apesar de já se mostrarem como problematizadores, conseguem fazer isso em alguns domínios ou temáticas, mas não de modo constante e geral. 

Estágio 5 

Já estabeleceram bons hábitos de pensamento. Com base neles, não só analisam ativamente o próprio pensamento em todos os domínios significativos de suas vidas, como também têm uma percepção significativa dos desafios. São capazes de pensar sobre todas as dimensões importantes de suas vidas, mas não de forma consistente. Entretanto, ainda recorrem, por vezes, a binarismos e argumentos egocêntricos e etnocêntricos.  

Estão ativamente engajados no monitoramento sistemático dos papéis dos conceitos, suposições, inferências, implicações e pontos de vista em seus pensamentos. Têm conhecimento do que é necessário para avaliar regularmente seu raciocínio em busca de clareza, exatidão, precisão, relevância, lógica, e etc. Valorizam profundamente e exercitam o pensamento crítico em seus hábitos diários. 

Estágio 6 

Não apenas se encarregam sistematicamente de seu pensamento, mas também monitoram, revisam e repensam estratégias para melhorar de forma contínua seu modo de pensar. Internalizaram profundamente as habilidades básicas do pensamento, de modo que o pensamento crítico é, para eles, consciente e altamente intuitivo. Com uma extensa experiência e prática de autoavaliação, estas pessoas não apenas analisam ativamente o pensamento em todos os domínios significativos de suas vidas, mas também desenvolvem continuamente novas ideias sobre problemas em níveis mais profundos do pensamento. 

Estão profundamente comprometidos com o pensamento imparcial e têm um alto nível de controle, ainda que não perfeito, sobre sua natureza ego e etnocêntrica. Regularmente, de forma eficaz e perspicaz, criticam o próprio uso do pensamento em suas vidas e, assim, o aprimoram. Eles monitoram consistentemente os próprios pensamentos e articulam os pontos fortes e fracos inerentes a ele. Têm um conhecimento excelente sobre as qualidades do próprio modo de pensar.

Confira as etapas envolvidas na análise crítica 

AS 5 ETAPAS ENVOLVIDAS NA ANÁLISE CRÍTICA:

  1. Entendimento do conteúdo  

Uma informação deve ser compreendida de modo preciso para que seja passível de análise crítica. Isto é: em um primeiro momento, a informação deve ser compreendida com base no que está sendo transmitido e sem extrapolações, predisposições ou ideações. 

  1. Contextualização do conteúdo  

Uma informação costuma se estruturar a partir de uma visão de mundo e de intertextualidades, sendo estas o diálogo entre dois textos no qual um faz referência e discute outro que já existia. O sujeito crítico deve ser capaz de localizar, minimamente, outras informações que se articulam com ela. Isso faz parte de uma capacidade de leitura de mundo e do uso de outros saberes para se posicionar frente à informação.  

A contextualização da informação com base em seus conhecimentos prévios faz com que o conteúdo seja apropriado pela pessoa também de forma subjetiva, pois se relaciona com as outras experiências que ela já teve e com sua visão de mundo.  

  1. Decomposição e análise de validade  

Uma informação é composta por argumentos e fatos. Para analisar sua validade, deve-se avaliar a coerência e a razoabilidade entre argumentos, fatos e conclusões. Desse modo, o pensamento crítico envolve a apropriação consciente de um método mental de análise do conhecimento e das informações, que permite a identificação de falácias e de fake news.  

  1. Compartilhamento  

Quando a pessoa coloca seu entendimento e leitura da informação de forma aberta com um grupo, ela se abre ao diálogo e ao “teste”. Essa é  uma forma de receber feedbacks e aprender por meio do compartilhamento, dado que outras pessoas podem chamar atenção para pontos que não haviam sido considerados, ou indicar alguma lacuna e equívoco na análise efetuada. 

  1. Reflexão e ressignificação  

Após entender a informação, contextualiza-la, analisar sua pertinência e validade e conversar com outras pessoas sobre suas ideias e conclusões, o sujeito crítico pode refletir sobre o modo como o pensamento crítico se expressou na situação dada, quais pontos podem ser aperfeiçoados, dar um sentido para o processo e, muitas vezes, utilizá-lo para fazer uma escolha ou estabelecer um posicionamento, no qual circunscreve a informação com base em sua análise. 

DEPOIMENTO HÉLIO BRAGA

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O QUE ESSAS COMPETÊNCIAS TÊM EM COMUM?

Criatividade e Pensamento Crítico são:  

Competências complexas e híbridas  

Ambas as competências são complexas, pois são compostas por várias outras competências. Embora por muito tempo a Criatividade e o Pensamento Crítico tenham sido consideradas competências atreladas exclusivamente às competências cognitivas, recentemente vêm sendo identificadas como híbridas. Estudos mostram com mais clareza que elas se expressam com a mobilização simultânea de algumas competências cognitivas, metacognitivas e socioemocionais, em um contexto que requisite sua ação. 

Universais  

Todas as pessoas, independentemente da idade, apresentam comportamentos que expressam Criatividade e Pensamento Crítico de diferentes maneiras e graus de sofisticação e complexidade. As diferenças individuais na manifestação dessas competências dependem das condições biológicas, biográficas, contextuais e culturais, que determinam o desenvolvimento da pessoa ou do grupo em questão.

Essas competências podem ser aprendidas e modificadas ao longo da vida, ainda que quanto mais cedo comece o seu desenvolvimento intencional, mais fácil será para o indivíduo exercitá-las.  

Potências  

A expressão dessas características depende do encontro entre o sujeito, seu nível atual de desenvolvimento, e um contexto que estimule a utilização das mesmas. Pode-se interpretar que se tratam de competências que precisam de um “gatilho” para se expressar e que, em um contexto favorável, podem ser aprimoradas. 

Dependem de um contexto e dos valores de determinada sociedade  

A Criatividade e o Pensamento Crítico se relacionam fortemente com as condições culturais e socioeconômicas do ambiente em que se inserem. Além disso, a valorização da expressão criativa e da capacidade crítica de alguém também é dependente de valores culturais: certas formas de expressão são mais valorizadas que outras e, por essa razão, têm maior visibilidade.  

Atos autorais  

A expressão dessas duas competências está relacionada a aplicações, elaborações e processos inéditos, além de construções pessoais, não se tratando de uma simples reprodução de algo que já existe. 

Processos em rede e intertextuais  

Mesmo que realizados individualmente, o fazer criativo e o pensamento crítico encontram suas raízes em experiências interpessoais e intertextuais anteriores, pois necessitam de um contato prévio com pessoas, situações, textos, mídias, conceitos, atitudes e modelos de referência que possam alimentar a ação (criativa ou crítica). As duas competências partem de uma leitura de mundo e necessitam dos conhecimentos prévios do indivíduo.   

São conjecturais  

Tanto a Criatividade quanto o Pensamento Crítico partem do entendimento de uma situação problema, ou seja, não acontecem “no vazio”, e sim em uma determinada conjuntura. A análise crítica desta situação ou a resolução criativa do problema é sempre algo específico de um domínio, ou de uma temática (por exemplo, sobre como produzir música com um novo instrumento ou como compreender notícias falsas sobre o formato do planeta Terra). 

Na prática, em cada contexto e em cada momento, aquele que é convidado a resolver ou analisar uma situação problema realiza conexões com outras referências, tentando   gerar um entendimento mais completo da situação.

Contribuições do professor no desenvolvimento da Criatividade e do Pensamento Crítico do estudante 

É objetivo da educação no século 21 preparar os estudantes para lidar com os desafios que encontram tanto na escola como fora dela. Também é objetivo prepará-los para serem autônomos para construir os projetos de vida que planejarem, valendo-se para isso de seus conhecimentos e competências.  

Essa perspectiva promove adaptações na forma de atuação dos educadores de maneira geral, desde a gestão de redes de ensino até o cotidiano escolar. Em sala de aula, para que o professor possa promover o desenvolvimento das competências dos estudantes de modo intencional, é preciso que ele insira essa temática em seu planejamento e suas ações do dia a dia escolar. 

Além disso, se uma proposta de educação integral tem o compromisso com o desenvolvimento das múltiplas dimensões do estudante, também deve olhar para o docente de maneira integral, considerando tanto o desenvolvimento de suas próprias competências – sejam elas cognitivas, socioemocionais ou híbridas – como o desenvolvimento de suas práticas de ensino, valendo-se de metodologias inovadoras e de ações em conjunto com outros professores e equipe escolar. 

Como mediador do conhecimento e do desenvolvimento pleno dos estudantes, o educador assume uma postura de acolhimento, escuta ativa e de promoção do protagonismo dos estudantes, que se corresponsabilizam pelo processo formativo como um todo. Dessa forma, ao invés de ser o único centro detentor de respostas, o professor estimula questionamentos e a construção conjunta do conhecimento.  

Outro princípio fundamental de uma educação integral é entender o professor e o estudante como parte da solução, e não do problema. É preciso reconhecer o  potencial transformador e reflexivo do educador, como mediador do aprendizado, ao invés de focar nas vulnerabilidades. Esta é uma condição essencial para que ele se sinta confiante e preparado para exercer seu potencial na sala de aula e na escola. 

DEPOIMENTO LAURA DUSI

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COMO PROMOVER O DESENVOLVIMENTO INTENCIONAL DESSAS COMPETÊNCIAS EM SALA DE AULA?

Existem diversas abordagens que visam desenvolver competências na escola. Em meio a tantas práticas educativas, como o professor pode preparar aulas que proporcionem um desenvolvimento efetivo e duradouro?  

É essencial que cada educador desenhe suas próprias propostas com autonomia, dado que ele é quem melhor conhece as características específicas de sua turma e do contexto em que atua. Aspectos relevantes e que podem ser melhor endereçados quando há diversidade no conjunto de iniciativas promovidas nas escolas. 

Estudos apontam, no entanto, que as práticas pedagógicas mais efetivas apresentam algumas características comuns. 

Evidências indicam que é importante que todo planejamento apresente um desenho sintetizado como SAFE: Sequencial, Ativo, Focado e Explícito. Cada característica pode ser melhor compreendida a seguir: 

Sequencial  

Atividades sequenciais, concatenadas e coordenadas de maneira intencional para promover o desenvolvimento de competências. Temas complexos podem ser divididos em tópicos e trabalhados, um de cada vez, em atividades próprias, mas que seguem uma lógica e se reforçam mutuamente. É importante que os estudantes percebam que as competências não são um tema “raro”, ou valorizado apenas em uma única aula e resgatado eventualmente, mas sim que integram os objetivos de aprendizagem de forma consistente e como parte da rotina. 

Ativo  

Atividades que utilizam metodologias ativas para proporcionar aos estudantes oportunidades para exercitarem competências. Estimula-se que participem de forma ativa durante o aprendizado, de modo que vivenciem aquilo que se busca desenvolver, por meio, por exemplo, de discussões e debates entre os alunos em sala. Também pode ser realizadas atividades em grupo, produção de projetos ou outras atividades que demandem deles uma ação. 

Focado  

Atividades desenhadas para desenvolver uma ou um grupo definido de competências como principal objetivo. É preciso ter foco em determinadas competências para que seu desenvolvimento seja efetivo.  Por isso, ao invés de desenhos abertos demais, ou propostas que busquem abrir oportunidade para grupos muito amplos de competências, é preferível o desenho de atividades que sejam direcionadas a características bem delimitadas. Isso não significa que não deva existir um projeto pedagógico que, no conjunto de suas atividades, procure desenvolver um número maior e mais diversificado de competências. Este preceito está restrito a uma atividade específica.  

Explícito  

Quando professor e estudante têm clareza do que se pretende desenvolver em uma sequência didática, os resultados tendem a ser mais efetivos e são generalizados com mais facilidade. 

Cada professor pode identificar oportunidades variadas para desenhar práticas pedagógicas SAFE, e algumas metodologias de ensino oferecem ainda mais espaço para esse desenho. A problematização, a educação por projetos, a aprendizagem colaborativa e a presença pedagógica, por exemplo, são alguns caminhos potentes para promover as competências de forma aliada à aprendizagem em qualquer componente curricular. 

Recentemente, a OCDE tornou públicos os principais resultados do projeto “Desenvolvendo e Avaliando a Criatividade e o Pensamento Crítico na Educação”, em um relatório e uma página de seu site especialmente dedicada ao tema. Além de apresentar o quadro conceitual utilizado pela organização para definir o que são essas duas competências e como elas podem ser identificadas no cotidiano escolar (por meio das chamadas rubricas, construídas com apoio de educadores dos 11 países participantes do projeto), o relatório também traz sugestões relevantes para desenvolvimento dessas competências.  

Incluindo uma discussão sobre a importância da formação de professores para promover essa temática, e também uma indicação de 11 metodologias propícias para o trabalho com Criatividade e Pensamento Crítico, o conteúdo reunido pela OCDE também propões diretrizes gerais para um planejamento de aulas ou sequências de atividades com este foco. Em março de 2020, o Instituto Ayrton Senna e a Fundação Santillana traduziram e lançaram a versão em Português do relatório do projeto, que oferece algumas diretrizes ao desenvolvimento da Criatividade e Pensamento Crítico.  Confira os achados do projeto e algumas dicas de desenvolvimento acessando o material aqui.  

A OCDE também construiu um repositório com algumas tarefas que foram efetivamente implementadas ao longo do projeto e que se mostraram propícias para apoiar a Criatividade e o Pensamento Crítico dos estudantes.

CONHEÇA O REPOSITÓRIO COMPLETO NO SITE DA OCDE 

AVALIAÇÃO FORMATIVA

Além de atividades intencionais, o professor pode se valer de ferramentas de apoio e criar espaços para promover o desenvolvimento da Criatividade e Pensamento Crítico dos estudantes em sala de aula numa perspectiva formativa. Entretanto, qual é o seu diferencial para outras práticas avaliativas? 

Em uma proposta de educação integral, a avaliação é um importante fator de integração do currículo, no sentido de se estabelecer um projeto comum norteador que, de fato, auxilie gestores, professores e estudantes nos processos essenciais ao ensino e a aprendizagem. Na construção de tal projeto, uma travessia se mostra fundamental: ressignificar, diversificar e aprofundar os procedimentos avaliativos, muitas vezes reduzidos a provas, trabalhos e nota.

  A avaliação, compreendida como uma prática educativa, é muito mais complexa do que a ideia de uma nota que mede o desempenho. Afinal, o que está em jogo não é a “assimilação de conteúdos”, mas a construção da autonomia intelectual do estudante, por meio da investigação constante de sua relação com os conhecimentos e do seu próprio desenvolvimento no âmbito das competências foco da avaliação. 

É preciso esclarecer que a nota, em si, não é o problema. Ela permanece sendo um parâmetro importante. Entretanto, a nota, sozinha, não é suficiente para auxiliar o estudante a entender, de acordo com suas metas, quais são os próximos passos de desenvolvimento e como fazê-lo.  

A avaliação formativa é uma proposta pedagógica que visa acompanhar o percurso de ensino e aprendizagem, e não apenas seu resultado ao final de um ciclo ou período. Sua metodologia se configura por trazer ao(à) professor(a) subsídios necessários para que ele/ela possa conhecer e intervir eficazmente na mediação da aprendizagem, até que o estudante alcance um objetivo determinado.

Envolve explicitar o percurso que será trilhado; propor atividades nas quais o estudante tem a chance de progredir e se aperfeiçoar; criar espaços nos quais se possa checar e conversar sobre a aprendizagem por meio de feedbacks ao longo do caminho e; buscar corrigir a rota quantas vezes for necessário.  

O Instituto Ayrton Senna apoia o uso de avaliações formativas como parte de propostas de desenvolvimento de competências, e possui algumas iniciativas, em que conta com a colaboração de educadores, para utilizar e aprimorar essas ferramentas.

  A avaliação formativa tem seu foco nos processos de ensino e de aprendizagem. Como premissa, considera que os estudantes têm ritmos e modos de desenvolvimento distintos, por isso o objetivo não é premiar ou atribuir nota. Como é realizada ao longo do processo educativo, a “fotografia” de cada momento avaliativo ajuda professores e estudantes a compreenderem como está acontecendo o desenvolvimento e oferece subsídios para intervenções qualificadas ao longo do processo.

Assim, os resultados obtidos com este formato de avaliação não se destinam a classificar cada estudante, e sim a identificar quais são as áreas em que é possível evoluir, promover feedback, definir uma meta compartilhada entre professor e estudante e orientar na escolha e acompanhamento de práticas e atividades mais propícias para alcançar o resultado esperado.

UMA EXPERIÊNCIA NA PRÁTICA

Entre os anos de 2015 e 2017, o Instituto Ayrton Senna realizou a implementação do projeto da OCDE no Brasil por meio de parceria com as Secretarias de Educação do município de Chapecó  e do Estado de Santa Catarina e também com a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina).  

Com objetivo de promover a criatividade e o pensamento crítico dos estudantes, a equipe de trabalho partiu do quadro conceitual da OCDE, mas desenhou o projeto de implementação com autonomia. Foram realizadas formações de professores e inúmeras ações de acompanhamento ao longo dos semestres letivos, que resultaram na elaboração de rubricas próprias para o modelo de avaliação formativa implementado nas escolas parceiras. A intervenção também resultou na identificação de boas práticas em diversos componentes curriculares, que também compuseram um portfólio de atividades.  

No total, mais de 4 mil estudantes participaram das ações relacionadas ao projeto, e os relatórios finais indicam que a maior parte dos professores usaram os materiais de diversas formas em sua prática pedagógica, mudaram sua visão sobre o que significam as competências de criatividade e pensamento crítico e destacaram um avanço na forma como planejam suas aulas, preparam atividades e colaboraram com colegas (91% relatou participação em grupos de trabalho para desenvolver planos de aula em conjunto, de forma alinhada com as rubricas). 

Os participantes também destacaram mudanças na motivação e no engajamento dos estudantes com a escola, bem como no clima escolar. Conheça mais sobre essa experiência no relato da especialista do Instituto Ayrton Senna, Laura di Pizzo, que liderou essa implementação. 

DEPOIMENTO LAURA DI PIZZO

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Próximos passos

 Como manter-se atualizado 

Nesta seção, vimos que o professor é agente fundamental no desenvolvimento de competências de seus estudantes. Para isso, precisa também de apoio e suporte para aprimorar as próprias competências e práticas de ensino. Discutimos ainda a necessidade de criar processos de avaliação com mais significado e mais diversos e amplos do que trabalhos, provas e notas.

A equipe do Instituto Ayrton Senna e educadores parceiros estão em constante trabalho para aprimoramento das propostas já desenvolvidas, análise de evidências e dos principais achados de estudos nacionais e internacionais sobre o tema, além do compartilhamento de práticas e inspirações para todos os educadores. 

Aprofunde um pouco mais os seus conhecimentos no tema consultando essas publicações e materiais de referência. Bons estudos!  

Sugestões de materiais complementares  

Alencar, E. M. L. S., Braga, N. P., & Marinho, C. (2018). Como desenvolver o potencial criador. Um guia para liberação da criatividade em sala de aula. Petrópolis: Ed. Vozes.  

Virgolim, A. M. R., Fleith, D. S., & Neves-Pereira, M. S. (2014). Toc Toc Plim Plim! Lidando com as emoções, brincando com o pensamento através da criatividade (13a ed.). Campinas: Papirus.  

http://www.oecd.org/education/fostering-studentscreativity-and-critical-thinking-62212c37-en.htm 

Além disso, você pode aprofundar nos assuntos que foram destacados nesse guia, acessando a literatura científica que o embasou: 

Accenture. It’s learning. Just not as we know it: how to accelerate skills acquisition in the age of intelligent technologies. Accenture, 2018. Disponível em: https://www.accenture.com/_acnmedia/thought-leadership-assets/pdf/accenture-education-and-technology-skills-research.pdf. 

Brasil. (2017). Base Nacional Comum Curricular – Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_- publicacao.pdf.

Bughin, J. et al. Skill shift: automation and the future of the workforce. Discussion paper. McKinsey Global Institute, 2018. Disponível em:
https://www.mckinsey.com/featured-insights/future-of-work/skill-shift-automation-and-the-future-of-the-workforce

Burrus, J., & Brenneman, M. (2016). Psychosocial skills: Essential components of development and achievement in K-12. In A. A. Lipnevich, F. Preckel, & R. D. Roberts (Eds.), The Springer series on human exceptionality. Psychosocial skills and school systems in the 21st century: Theory, research, and practice (p. 347-372). Switzerland: Springer International Publishing. 

Cottrell, S. (2005). Critical thinkin: Developing effective analysis and argument. New York: Palgrave Macmillan. 

De Fruyt, F., Wille, B., & John, O. P. (2015). Employability in the 21st Century: Complex (Interactive) Problem Solving and Other Essential Skills. Industrial and Organizational 

Delors, J. (2013). The treasure within: Learning to know, learning to do, learning to live together and learning to be. What is the value of that treasure 15 years after its publication? Int Rev Educ 59:319–330 DOI 10.1007/s11159-013-9350-8 

Dewey J.How we think: A restatement of the relation of reflective thinking to the educative process. DC Heath; 1910.   

Dilley A, Kaufman JC, Kennedy C, Plucker JA. What we know about critical thinking [4Cs Research Series]. Washington, DC: Partnership for 21st Century Skills. 2015.  

Durlak, J. A., Weissberg, R. P., Dymnicki, A. B., Taylor, R. D., & Schellinger, K. B. (2011). The impact of enhancing students’ social and emotional learning: A meta-analysis of school-based universal interventions. Child Development, 82(1), 405–432. 

Elder, L. & Paul. R. The Aspiring Thinker’s Guide to Critical Thinking, Foundation for Critical Thinking, Dillon Beach, CA, 2009. 

Facione P. Critical thinking: A statement of expert consensus for purposes of educational assessment and instruction (The Delphi Report). California Academic Press; 1990.  

Instituto Ayrton Senna
Instituto Ayrton Senna Organização sem fins lucrativos comprometida com a educação
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