A tolerância ao estresse, à frustração e autoconfiança são competências relevantes para o desenvolvimento da motivação para aprender
Diz o ditado que é errando que é se aprende, mas nem sempre pensamos assim quando o assunto é aprendizagem formal. No contexto escolar, a ideia de que é preciso tirar boas notas e ser aprovado em vestibulares e provas é uma conhecida de longa data de muitos estudantes. As provas e os processos avaliativos têm um papel importante no desenvolvimento estudantil, na medida em que verificam a aprendizagem, mas reduzir todo o processo ao resultado final é uma prática que tem encontrado cada vez menos espaço no pensamento e na vida dos estudantes. Além de gerar o medo do erro, uma aprendizagem muito focada em avaliações pode fazer menos sentido para o estudante e proporcionar menos engajamento, já que ele pode agir apenas a partir de uma motivação extrínseca, fundamentada na necessidade de ser aprovado ou ter bom desempenho. Na construção de uma educação integral, que proporcione uma formação plena e que vá para além de resultados escolares, é preciso buscar uma motivação intrínseca, que venha de dentro do estudante e se mantenha relevante mesmo quando não há uma recompensa direta e imediata.
O Fab Lab Recife é um exemplo de onde o erro não é um vilão da aprendizagem, mas sim uma etapa comum do processo, e de onde os estudantes descobrem como fazer algo que gostam pode ser uma ótima forma de aprender. Por meio de uma cultura maker (‘criadora’, em tradução livre), crianças e jovens colocam a mão na massa para criar e inovar, desenvolvendo não só as habilidades necessárias para as práticas da tarefa, mas também a desmistificação do erro e do fracasso, aprendendo a lidar com essas variáveis. A metodologia também é alinhada com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e com o desenvolvimento de suas competências cognitivas e socioemocionais, focalizando assim os esforços para um desenvolvimento integral dos estudantes.
“Para avançar a barreira do medo de errar é preciso errar muito, errar rápido e errar barato”, afirma Edgar Andrade, CEO do Fab Lab Recife, que foi um dos participantes do Seminário Internacional – Motivação: Evidências para promover a aprendizagem, realizado pelo Instituto Ayrton Senna em Junho deste ano. Para ele, errar faz parte do processo de aprendizagem e, como tal, é preciso ser considerado – o erro deve ser visto como algo que pode acontecer para que, uma vez diante dele, seja possível lidar e superar.
Quando estimulados por educadores que valorizam essa prática, os estudantes vão aos poucos entendendo essa mentalidade e desenvolvendo as suas competências de tolerância ao estresse e tolerância à frustração, conseguindo insistir em suas ideias e práticas para conseguir realizar os seus objetivos. Assim, percebem que o processo de aprendizagem é longo, mas interessante e engajador! À medida em que vão desenvolvendo as suas habilidades e, os estudantes vão demonstrando mais e mais coragem para apresentar as suas ideias, criar projetos e se envolver em ideias dos colegas, desenvolvendo assim a autoconfiança.
O desenvolvimento dessas competências tem resultados que extrapolam a aprendizagem e o desempenho escolar. Dados de um mapeamento socioemocional feito pelo em escala pelo Instituto Ayrton Senna, em parceria com a rede estadual de São Paulo, demonstraram que a autoconfiança é uma competência relevante para o pertencimento escolar – sentimento importante para redução de faltas, abandono e evasão – e para ajudar a lidar com o bullying, na medida em que é um fator protetivo para lidar com comportamentos associados a estudantes que são vítimas desse tipo de violência. A tolerância à frustração também é uma competência relevante para prevenir o bullying, pois pode inibir comportamentos intimidadores.
As três competências citadas (autoconfiança, tolerância ao estresse e tolerância à frustração) compõem a macrocompetência de resiliência emocional, que está relacionada à maneira como uma pessoa é capaz de lidar com suas próprias emoções. Um estudante com alta resiliência emocional demonstra equilíbrio sobre suas reações, tendo controle sobre elas, o que representa uma capacidade de regular suas emoções frente as demandas escolares e a socialização com colegas e com professores. Além disso, contribui para que o estudante tenha uma autoimagem realista e níveis baixos de afetos negativos.
Essas características se associam à motivação por serem fundamentais para uma aprendizagem autorregulada, em que o estudante desempenha o protagonismo do processo, mantendo-se motivado mesmo quando os desafios e os problemas acontecessem. No caso do Fab Lab, o impacto dessa motivação na vida dos estudantes vai além dos projetos realizados ali, já que muitos deles levam seus aprendizados para suas casas, amigos e grupos sociais. “A motivação é um processo interno, contínuo e radiado. Se você consegue levar para a escola, você consegue levar para a comunidade”, aponta Edgar.
Para ele, esse processo é fundamental ainda para a construção da identidade e da formação dos estudantes enquanto sujeitos ativos e cidadãos do mundo. “Ao longo da minha trajetória, coloquei mais de duzentos projetos na rua – muitos ficaram só na cabeça, outros deram certo. Ao longo de trinta anos de carreira, sou o resultado de experiências, erros e acertos”, comenta. A inspiração de Edgar em levar sua vivência para os estudantes do Fab Lab por si só demonstra o potencial transformador da motivação, pois mostra na prática que, uma vez que é cruzada a linha divisória da motivação – ou o Rubicão, como na metáfora usada para falar do tema – o aprendizado se modifica efetivamente.
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