Entender sobre como se deu o desenvolvimento socioemocional de estudantes durante a pandemia foi o objetivo de um estudo realizado em Sobral, no Ceará, cujos principais resultados e reflexões resultantes estão consolidados no e-book “Trajetórias socioemocionais durante a pandemia: achados preliminares do Estudo longitudinal em Sobral”. O material foi publicado pelo laboratório de Ciências para Educação do Instituto Ayrton Senna, o eduLab21, e parceria com o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES) e a Secretaria Municipal de Educação de Sobral, no Ceará.
Utilizando instrumentos de monitoramento socioemocional construídos com metodologia de autorrelato, o estudo foi iniciado em 2018, com a participação de estudantes que estavam então no 5º ano escolar e responderam aos questionários ao longo da sua trajetória nos Anos Finais do Ensino Fundamental. Consolidou-se, assim, a perspectiva longitudinal, em que os participantes respondem à pesquisa mais de uma vez, em diferentes momentos ao longo dos anos. Essa configuração permitiu entender a situação socioemocional desses estudantes antes, durante e depois da pandemia, gerando insumos sobre os efeitos do período nas escolas.
“Por meio de estudos longitudinais é possível acompanhar o mesmo grupo de pessoas ao longo do tempo e estudar como elas mudam e se desenvolvem. Isso é útil porque nos ajuda a entender como as características, o comportamento e a saúde das pessoas podem mudar com o tempo. Também pode nos ajudar a entender quais fatores podem influenciar essas mudanças. Ao estudar as pessoas ao longo do tempo, podemos obter uma compreensão mais profunda dos complexos processos sociais e psicológicos que não podem ser totalmente compreendidos por meio de pesquisas ou experimentos realizados em um ponto único do tempo. Esse conhecimento pode nos ajudar a desenvolver melhores políticas, programas e intervenções para melhorar a vida das pessoas”, afirma Gisele Alves, gerente executiva do eduLab21.
O estudo mostrou que os estudantes que se dizem pouco desenvolvidos nas competências socioemocionais sofreram mais com comportamentos relacionados a ansiedade e depressão, enquanto aqueles com competências socioemocionais mais desenvolvidas relataram melhores indicadores de saúde mental durante a pandemia. Ou seja, apesar do período bastante difícil que passaram, o desenvolvimento das competências socioemocionais pode beneficiar muito, impactando positivamente na qualidade de vida dos estudantes.
Principais achados
A análise dos dados permitiu a conclusão acerca de pontos específicos sobre a situação socioemocional dos estudantes. Em um período em que a saúde mental tornou-se pauta recorrente na sociedade, sintomas de depressão e ansiedade emergiram no cotidiano escolar e agravaram problemas já existentes, como a evasão, quedas no desempenho e episódios de violência e bullying. Encontrar caminhos para o enfrentamento dessas situações fez-se ainda mais necessário e, nesse sentido, o estudo longitudinal permite traçar contornos importantes sobre essa realidade e orientar estratégias de apoio intencional.
O mais significativo desses achados indica que os níveis de desenvolvimento de resiliência emocional antes do início da adolescência foram importantes. Os estudantes que percebiam a si mesmos como pouco desenvolvidos nas competências socioemocionais sofreram mais com comportamentos internalizantes (como medo, tristeza, sentimento de inferioridade, pessimismo, preocupações excessivas, retraimento e isolamento social, falta de energia e de motivação), enquanto aqueles com competências socioemocionais mais bem desenvolvidas perceberam a si mesmos com melhores indicadores de saúde mental durante a pandemia. Esse cenário sinaliza para a importância de estratégias de desenvolvimento intencional de competências socioemocionais mesmo fora de contextos de crise, já que esse processo pode apoiar os estudantes no enfrentamento de situações complexas.
Contudo, as perdas socioemocionais ao longo do período pandêmico são inegáveis. Em média, os estudantes tiveram queda de cerca de 7% nos níveis socioemocionais de 2019 (pré-pandemia) a 2021 (pandemia tardia). Quando observamos as perdas que comumente ocorrem em estudantes não expostos à pandemia com idades similares, no entanto, vimos que elas não costumaram ultrapassar 2%, sugerindo que houve especificidades que contribuíram para o aumento dessas quedas no período pandêmico. Também foi possível perceber que as perdas mais acentuadas foram observadas em engajamento com os outros para meninos (−5%) e meninas (−12%) e em resiliência emocional (−16%) para meninas.
Esse olhar para competências específicas também permite um entendimento mais profundo desses efeitos na prática. Em engajamento com os outros, 62% dos alunos do 8º ano escolar apresentaram quedas em comparação com os níveis pré-pandemia. As quedas em engajamento com os outros e resiliência emocional demonstram que os estudantes podem estar enfrentando dificuldades para retornar à escola e retomar as interações sociais e as atividades como antes. Interações com o mundo, sejam com pessoas ou outros interesses, desempenham um papel importante para ajudar os adolescentes a regular sua energia, suas emoções e sua motivação na rotina diária.
A gerente do eduLab21, Ana Crispim, explica sobre a relação entre socioemocional e a o período pandêmico. “A pandemia afetou significativamente as trajetórias socioemocionais e a maneira como os estudantes interagem entre si e com o mundo. Por isso, para saber como apoiar os estudantes nesse momento, é necessário também entender como eles estão se sentindo e quais recursos eles têm. Esses recursos podem ser cognitivos, emocionais ou interpessoais, e ajudam os estudantes a lidar com seus sentimentos e com situações adversas, como a pandemia. Assim, o monitoramento de indicadores como saúde mental e bem-estar é uma estratégia importante para redes e escolas, uma vez que prejuízos nesses indicadores podem afetar os estudantes em diversas esferas da sua vida. A partir de pesquisas, sabemos que esses prejuízos se refletem em menor confiança em si mesmo e nas próprias capacidades, no aumento do sentimento de tristeza, na perda de sono por conta de preocupações e também em dificuldades para se concentrar em atividades, o que pode influenciar na execução de atividades do dia a dia ou em atividades escolares”, aponta.
O recorte de gênero também trouxe achados importantes. O bem-estar dos meninos não mudou significativamente ao longo do tempo (−1%), enquanto as pontuações de bem-estar das meninas caíram consideravelmente (−26%) entre 2018 e 2021. No que diz respeito à saúde mental, há uma queda de 11% na saúde mental entre o 7º (2020) e o 8º ano escolar (2021). Entretanto, essa queda é mais acentuada para meninas (−17,9%) do que para meninos (-6%). Esse dado pode ser compreendido a partir de recursos pessoais, sejam eles cognitivos ou emocionais, recursos interpessoais, e a capacidade adaptativa de cada um frente a situações desafiadoras
A parceria
O Instituto Ayrton Senna apoia, desde 2017, as ações ligadas à política pública de desenvolvimento socioemocional de Sobral. A parceria envolve o olhar para o currículo da rede municipal com o objetivo de promover o desenvolvimento das competências socioemocionais, conforme o que preconiza a BNCC; a produção de material pedagógico; e formações para profissionais da rede, com foco nos orientadores educacionais, agentes da educação sobralense que atuam diretamente em contato com as escolas no apoio à integração do desenvolvimento socioemocional intencional ao currículo. O estudo, realizado no contexto dessas e de outras ações, geram insumos e dados adicionais que podem apoiar a rede a pautar planejamentos e ações ligadas à política pública educacional vigente.
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