Por Mozart Neves Ramos
(Correio Braziliense ‐ Opinião ‐ 05/10/2017)
Não é de agora, mas sempre que se abate uma crise econômica no Brasil, apesar de os números mais recentes indicarem que o pior passou, o debate sobre a gratuidade do ensino superior público vem à tona. O atual cenário, contudo, parece-me diverso dos demais. Primeiro me assusta o silêncio da universidade, de suas principais lideranças, no debate nacional sobre o futuro do país. Talvez estejamos sem lideranças fortes, outais lideranças estejam se eximindo de uma participação maior no atual momento da vida brasileira. O segundo aspecto que me chama a atenção é que não se buscam novos modelos de atuação e de sustentabilidade para a universidade pública, não só econômica como social.
A maior universidade pública brasileira—a Universidade de São Paulo (USP)—vive uma crise financeira sem precedentes, e não é de agora. Só com a folha de pessoal, a USP consome mais do que o orçamento previsto, chegando a 105,7% dos recursos repassados pelo governo do Estado de São Paulo. Para manter o seu funcionamento, faz uso do chamado “colchão” financeiro, que foi de R$ 3,6 bilhões e, hoje, está com apenas R$ 1,3 bilhão. A situação das universidades federais também não é das melhores—elas vêm se mantendo a duras penas. O debate da autonomia dessas universidades se arrasta desde que me conheço por gente, como se costuma dizer popularmente.
Para se eximir dos debates em torno do tema e de uma eventual lei que a normatize, alguns setores da universidade preferem entender que o artigo 207 da Constituição Federal é autoaplicável. Enquanto isso, o modelo de gestão dessas universidades se esgotou há tempo. Os reitores sabem disso. Para sair da crise, alguns setores da sociedade apontam a cobrança de mensalidade para alunos que podem pagar—a gratuidade se aplicaria apenas aos de baixa renda. Um tema politicamente espinhoso para a universidade enfrentar. Mas é preciso enfrentá-lo, ao menos para dizer que isso vai cobrir apenas parte do atual custo de manutenção, sem esquecer as mudanças legais que isso certamente acarretaria.
Alguns dizem que as universidades deveriam cobrir parte desses custos com prestação de serviços, especialmente nas áreas de pesquisa e de extensão, sem falar nos cursos de pós graduação lato sensu. Mas isso esbarra muitas vezes na interpretação da gratuidade plena, na visão dos órgãos de controle. Não me esqueço, quando reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), do uso da Resolução de Prestação de Serviços para regulamentar parte das finalidades acima, após amplo e difícil debate no câmpus da universidade. No ano seguinte, recebi um duro questionamento dos técnicos de controle das contas públicas, pois estava ferindo a questão da gratuidade da instituição.
Mas há outras questões sobre as quais a universidade pública também deveria se debruçar e não o faz, pelo menos na intensidade esperada. Por exemplo, até 2024,no âmbito da meta12 do Plano Nacional de Educação (PNE), o percentual de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior deve dobrar, saindo dos atuais17%e chegar a 33%. Para que essa expansão se faça sem comprometer a eventual qualidade, a universidade precisa colocar na agenda de prioridades a educação básica. E isso não acontece. A participação pífia das universidades na discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelecerá os direitos de aprendizagens para todos os alunos, da educação infantil ao ensino médio, é o reflexo desse distanciamento. A BNCC mexerá fortemente com a formação de professores, e isso tem tudo a ver com as universidades, ou não?
Além disso, não se pode continuar fazendo mais do mesmo, formando professores para a educação básica com o olhar do passado, muita teoria e uma prática docente que não dialoga com as necessidades da escola pública. É preciso prepara-los para as novas demandas do século 21, que estão a exigir o desenvolvimento de novas competências na formação plena das pessoas. As universidades públicas precisam enxergar com clareza o seu novo papel social e estratégico no país. Ninguém em sã consciência pode deixar, por exemplo, de reconhecer a contribuição dessas universidades na formação de doutores e mestres, e a qualidade de sua pós-graduação. Mas isso e outras justificativas dadas no passado não bastam para resolver os desafios atuais e futuros. É preciso repensar seu modelo de atuação e de sustentabilidade, para que não se vejam mais adiante no papel do peru indutivista de Bertrand Russell. A situação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) parece não ter sido suficiente. O que mais é preciso?
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