Em 4 anos, a distorção idade-série no município teve queda significativa. Mais do que números, a parceria com a Secretaria Municipal de Educação, financiada pela Cosern, permitiu que estudantes recuperassem o tempo perdido com reprovações e dessem novos rumos aos seus projetos de vida.
Rebecka lê o livro didático aberto em sua carteira, escreve com rapidez nas lacunas dos exercícios e participa da aula com desenvoltura. Quem a observa nem acredita no progresso que teve em tão pouco tempo. No mesmo mês do ano passado, a história era outra. “Eu não conhecia uma letra. Não sabia ler nada, não conhecia nada. Aí minha avó já queria me tirar da escola porque, como eu não aprendia nada, era para eu ficar sem estudar”, conta. Após repetidas reprovações, a estudante de 14 anos quase abandonou a escola. Foi quando a coordenadora pedagógica procurou a avó e contou que Rebecka teria uma oportunidade.
Rebecka Gonçalves foi matriculada em uma turma do Se Liga, programa do Instituto Ayrton Senna destinado a estudantes não alfabetizados e com defasagem idade-série matriculados do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Defasagem ou distorção idade-séria é o termo utilizado por educadores para identificar a situação dos alunos que repetiram de ano muitas vezes e estão com idade muito anos à frente dos seus colegas.
“Quando estão em distorção e permanecem em uma sala regular, esses alunos simplesmente ficam apáticos e esquecidos lá no cantinho. O programa Se Liga oportuniza o acolhimento ao aluno. Nessas turmas, há uma sistemática, um livro didático e uma didática voltadas especialmente para eles”, explica Adriana Saraiva, mediadora na EMEF Prof. Bernardo do Nascimento. “O aluno é ouvido, o aluno consegue se expressar. Eu tenho histórico de meninos que não falavam absolutamente nada e, quando chegaram no meio do ano, estavam outros. Ele se identificaram e viram ali que eram pertencentes àquela turma”, relata, emocionada.
A questão da autoestima é um tema muito importante para os programas Se Liga e Acelera Brasil Adriana explica que os estudantes que tiveram sucessivos fracassos escolares ficam estigmatizados dentro da própria escola. São “os que não querem estudar”, os meninos “bagunceiros”. Por isso, para essas crianças, vencer o analfabetismo é, antes de tudo, vencer um estigma.
“Tinha preguiça de ler, de escrever e de vir para a escola. Vinha para a escola só para brincar ou bagunçar. Acordava tarde porque chegava tarde em casa. Passava a maior parte do tempo brincando no morro e quase sempre voltava machucado”, relembra o menino Jefferson de Aguiar, 11 anos, aluno da turma do Se Liga. “Depois que eu repeti de ano, não queria saber de nada. Já que não ia aprender, eu queria só brincar mesmo”, lembra Luiza Vitória da Silva, de 13 anos, aluna do Acelera.
O estigma de alunos problemáticos, muitas vezes, é reforçado por alguns professores. “Quando eu cheguei na escola, eles eram tidos como a pior turma. Quando falavam neles, eram os piores. Eu pensei ‘não, eu não vou desistir’”, recorda a mediadora Adriana.
“Por que às vezes a gente desiste de alguns? Quais as razões que fazem uma criança desistir de aprender? Cada um tem sua história e precisa ser compreendido. Os projetos Se Liga e Acelera Brasil nos ajudam na humanização daquele sujeito que não é mais um, e a entender que a história de um impacta sobre os outros”, reflete Maria Aparecida Matias Freira, diretora pedagógica da EMEF Prof. Emília Ramos. “Os programas têm metas bem definidas e as crianças conseguem também perceber essa dinâmica. Elas compreendem que é possível e ficam felizes em perceber que são capazes de aprender”, completa.
No programa Se Liga, o foco é a alfabetização dos alunos. Em um ano, eles aprendem a ler e a escrever. Já o programa Acelera Brasil é voltado para a recuperação do fluxo escolar: o aluno segue para uma série compatível com sua idade. Ao participarem da proposta, os alunos aprendem o suficiente para saltar até dois anos escolares e vencer a distorção idade-série, ao mesmo tempo em que resgatam sua autoestima e desenvolvem outros aspectos socioemocionais.
As duas soluções educacionais do Instituto Ayrton Senna desenvolvidas em Natal (RN) foram financiadas pela Companhia Energética do Rio Grande do Norte (Cosern), empresa do Grupo Neoenergia. Após quatro anos de parceria, os resultados impressionam: foram quase 6 mil alunos foram atendidos.
“Nós tínhamos dados que revelavam uma altíssima distorção idade-série e quando chegou uma proposta de colaboração e parceria para minimizar esse problema, eu não tive dúvida. E, mais importante: o aprendizado que ganhamos com isso, a metodologia de acompanhamento, de monitoramento, de avaliação”, comemora Justina Iva de Araújo, secretária municipal de educação de Natal.
Justina contou à reportagem que tem o hábito de visitar as escolas e sempre se surpreende com o que se depara. “Visitei uma sala de aula de alunos com distorção idade-série que já deveriam estar no 5º ano e estavam no 3º, todos completamente analfabetos. Ao visitar essa mesma sala seis meses depois, eu fiquei encantada: os estudantes estavam lendo fluentemente após o trabalho com a metodologia”, relata com entusiasmo.
Para alcançar bons resultados, o papel do professor é fundamental na implementação dos programas. “O professor tem de ativar o seu papel social. Não é só vir para a escola, cumprir seu horário e ir embora para casa, e sim transformar esse indivíduo que está ali porque em algum momento alguém esqueceu que ele existia. Mesmo dentro das dificuldades, a gente dá voz, a gente empodera esse aluno para que ele seja protagonista da sua aprendizagem, do seu conhecimento”, explica Sayonara Fernandes da Silva, mediadora na EMEF Prof. Emília Ramos
Foi o que fez Maria Luiza Costa Carneiro, professora do Se Liga na EMEF Prof. Emília Ramos. “Eu peguei alunos que não sabiam sequer pegar no lápis, que rabiscavam o caderno inteiro, que não faziam nada e de repente foram se envolvendo. Começou na bronca e terminou no carinho”, conta enquanto seus olhos se enchem de lágrimas.
Lágrimas que também brotam em rostos mais jovens. Flávia Pereira, de 13 anos, aluna do Acelera, se emociona ao se lembrar que não conseguia nem escrever o próprio nome. “Em todo canto que a gente vê, a gente tem que ler as coisas. As letras fazem parte da vida da gente, da rotina da gente. Hoje, eu não preciso de mais ninguém estar lendo ou escrevendo pra mim. Eu mesma vou lá escrevo e leio”, conta, orgulhosa.
Relatos como o de Flávia indicam que alfabetização não se resume a conseguir ler e escrever, é sobre ter autonomia, autoestima e protagonismo. É como uma porta para o mundo. Uma porta que se abre e revela um horizonte repleto de expectativas e sonhos – muitos sonhos.
Conheça o que Rebecka, Flávia, Jefferson e tantos outros estudantes dos programas do Instituto Ayrton Senna querem para o seu futuro agora que já sabem ler e escrever. Clique aqui para assistir à reportagem feita na cidade de Natal (RN).
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