"Ninguém mais tem dúvidas de que as experiências vividas de 0 a 6 anos de idade impactam a arquitetura do cérebro humano e, por consequência, o desenvolvimento cognitivo e socioemocional futuro da criança" por Mozart Neves Ramos e Alessandra Gotti para o Correio Braziliense.
Por Mozart Neves Ramos e Alessandra Gotti
(Opinião – Correio Braziliense – 07/06/2018)
Ninguém mais tem dúvidas de que as experiências vividas de 0 a 6 anos de idade impactam a arquitetura do cérebro humano e, por consequência, o desenvolvimento cognitivo e socioemocional futuro da criança. Estímulos adequados na primeira infância impulsionam a aprendizagem nas etapas educacionais seguintes e trazem reflexos comprovados na qualidade de vida futura, reduzindo a propensão à violência e os índices de pobreza.
Habilidades tão necessárias ao cidadão do século XXI, como a capacidade de planejamento e o juízo crítico, começam a se desenvolver na primeira infância. Mas, se por um lado ela é uma janela de oportunidades incrível para potencializar a capacidade de aquisição de novos conhecimentos e habilidades, experiências nocivas nesse momento crucial podem trazer consequências danosas irreparáveis. Não há espaço para improvisos na primeira infância: deve-se garantir uma educação de qualidade, que estimule adequadamente as crianças.
Por essas e tantas outras evidências empíricas, James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, defende que o investimento em educação nessa etapa da vida é uma estratégia fundamental de combate estrutural à pobreza e à desigualdade social, especialmente para as crianças cujas condições socioeconômicas são mais vulneráveis.
O Brasil se propôs, pela Lei do Plano Nacional de Educação, a universalizar o atendimento às crianças de 4 a 5 anos na pré-escola até 2016 e a ampliar a oferta de creches de forma a atender no mínimo 50% das crianças de até 3 anos até 2024.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada recentemente, em 2017, a taxa de cobertura chegou a 91,7% para a faixa de 4 a 5 anos, e a 32,7% para a de 0 a 3 anos. Apesar do esgotamento do prazo para a universalização da pré-escola, 441 mil crianças ainda estavam fora da escola. Já as crianças de 0 a 3 anos fora da escola somavam 6,8 milhões.
Como mudar essa fotografia? Certamente não será seguindo a rota feijão com arroz. Dois fatores são preponderantes para mudar essa situação: o diálogo e a cooperação interinstitucional. Apenas eles serão capazes de romper o hermetismo e a estanqueidade entre as esferas de governo – de colocar Judiciário, Executivo e Legislativo “na mesma página” para enfrentar esse problema estrutural.
Não é à toa que a Agenda 2030 da ONU realça a importância tátil da cooperação e das parcerias para o alcance do desenvolvimento sustentável das nações. Partindo da premissa de que em uma federação é necessária a articulação não apenas entre as instituições que executam as políticas públicas, mas também entre as de controle, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e o Instituto Rui Barbosa (IRB) estabeleceram uma parceria para aperfeiçoar a atuação coordenada dos tribunais de contas brasileiros na fiscalização de políticas e programas públicos relacionados à educação e à saúde.
Não se pode perder de vista também que o fenômeno da judicialização por matrículas em creches que assola os municípios demanda soluções dialogadas, sobretudo em uma época de sérias restrições orçamentárias. Engenharias jurídicas inéditas como a adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2013 para eliminar a fila de espera na Educação Infantil na capital paulista, pautadas em um diálogo entre Judiciário e Executivo, com a participação da sociedade, têm se mostrado exitosas ao impulsionar a resolução das deficiências da macropolítica, mitigando desigualdades.
São iniciativas de diálogo e parcerias como essas que podem fazer toda a diferença para mudarmos a fotografia do Brasil e transformarmos nossa nação. Essa mudança tem como ponto de partida o investimento na primeira infância. Investir em educação na primeira infância é não apenas apostar no futuro, mas reduzir as desigualdades. Algo que, em um país que está entre os dez mais desiguais do mundo, deveria ser a prioridade nº 1.
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