Por Mozart Neves Ramos
(Correio Braziliense ‐ Opinião ‐ 05/03/2015)
Para uma área de forte capilaridade social, como a educação, cortes orçamentários da magnitude dos efetuados no orçamento de 2015 podem não só comprometer a continuidade de programas estratégicos, mas também provocar onda de desânimo nas pessoas que têm como missão implementar a política educacional em nosso país. Foi esse o sentimento que tive, nos últimos dias, conversando com reitores, secretários de Educação e técnicos do próprio Ministério da Educação. Esse sentimento se espalha rapidamente nas redes de ensino e nas escolas ‐ o chamado efeito dominó. Além disso, há outro fator em jogo. Orçamento é peça de ficção, que só se torna realidade quando efetivamente liberado o chamado financeiro, e isso vem ocorrendo a conta‐gotas.
O Brasil, nos últimos anos, vinha fazendo enorme esforço para suprir o débito educacional com a população, especialmente no campo do acesso à educação superior e profissionalizante. Atualmente, o país tem 7,2 milhões de estudantes no ensino superior, e precisará dobrar esse número nos próximos 10 anos, de acordo com o atual Plano Nacional de Educação (PNE). Para isso, o Fies, programa em que o governo banca a mensalidade de alunos em instituições privadas de ensino superior, tem papel estratégico. Hoje são cerca de 2 milhões de alunos beneficiados. Forçado pela conjuntura econômica, o governo impôs novas regras de acesso ao programa por parte dos alunos, que poderão afetar drasticamente o crescimento nos próximos anos. De fato, o programa estava se tornando “bola de neve”. Em 2011, os gastos com o Fies eram de R$ 1,8 bilhão, mas, em 2014, alcançaram R$ 13,7 bilhões.
Uma das medidas adotadas consistiu em exigir dos alunos desempenho melhor no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o que seria absolutamente compreensível se a verdadeira razão não fosse aquela imposta pelas restrições orçamentárias. Na prática, a medida apenas esconde o drama da baixa qualidade do ensino básico no país, que se traduz em número de jovens que nem estudam nem trabalham, a geração “nem nem”, estimada em 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos. Uma bomba‐relógio social que explode a cada dia, de maneira mais intensa, nas periferias das grandes cidades.
Um dos caminhos que o próprio governo encontrou para estancar o processo foi a implantação, em 2011, do Pronatec ‐ programa que amplia o acesso à educação técnica profissionalizante. Hoje são cerca de 8 milhões de jovens atendidos. O programa também começa a dar sinais de forte “recessão”, como reflexo da crise econômica que impacta o orçamento da educação.
Os atrasos regulares no repasse das verbas às instituições promotoras vêm causando não apenas apreensão, mas desconfiança em relação ao futuro do programa, já que a qualidade do que está sendo oferecido vem sendo questionada. É preciso também casar melhor a oferta dos cursos com a demanda do comércio e da indústria locais. Outro fator preocupante são as altas taxas de evasão: significativa parcela dos alunos abandona os cursos antes de concluí‐los.
O cenário de restrições orçamentárias também chegou às universidades federais: corte estimado em 30% ‐ outro fator que pode impactar a consolidação dos câmpus recém‐abertos pelo próprio governo, e, portanto, a expansão do acesso ao ensino superior público.
Assim, o sonho de muitos jovens de conseguir diploma de ensino superior e técnico em nosso país ‐ algo que vinha crescendo, especialmente, no imaginário de muitos das classes sociais economicamente menos favorecidas ‐ começa a se tornar distante. A tristeza desse cenário, que traz desesperança ao futuro de muitos jovens, decorre, em grande medida, da corrupção que envolve o dinheiro público. Precisamos banir do país a cultura da corrupção, sob pena de não termos futuro, de não deixarmos legado digno às futuras gerações, sedimentado em valores éticos e morais. É preciso que as gerações vindouras de jovens brasileiros acreditem que só com muito trabalho, esforço, dedicação e estudo poderão ter de fato vida segura e plena. A atual, infelizmente, só tem recebido os piores exemplos. Mas ainda há tempo para recuperá‐la.
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