Por Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna. Artigo publicado na Folha de S.Paulo, em 10/05/2020, editoria Opinião.
Para além das consequências incalculáveis sobre a saúde e a economia, a força desorganizadora da Covid-19 traz consigo um impacto mais silencioso, mas não menos devastador. É sobre o sistema educacional brasileiro que, na pré-pandemia, já era bastante castigado e marcado por uma brutal desigualdade de oportunidades.
No Brasil, onde o ambiente familiar possui forte influência nos resultados educacionais, haverá diferentes desfechos para os 48 milhões de alunos da educação básica. As perdas certamente serão coletivas, mas não há dúvidas de que os mais prejudicados serão aqueles que, mesmo antes do coronavírus, já eram vulneráveis: os alunos mais pobres.
Há números difíceis de engolir: 55 milhões de brasileiros vivem hoje abaixo da linha da pobreza, o que significa um quarto de toda a população. Mas, se considerarmos apenas a faixa etária dos 6 a 19 anos que frequenta a escola, quase 40% são compostos pelos mais pobres do Brasil, segundo dados do Instituto Ayrton Senna e Oppen Social, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) do IBGE de 2017. Assim, são cerca de 15 milhões de crianças e jovens que as políticas públicas educacionais de enfrentamento à pandemia terão mais dificuldade de alcançar.
O fechamento das escolas e a transição forçada para a educação a distância somadas aos problemas antes do coronavírus, são elementos que potencializam a desigualdade. Em artigo para Folha de S.Paulo, Viviane Senna apresenta as consequências do coronavírus que são impactantes para a Educação e potencializam a desigualdade.
O fechamento abrupto das escolas e a transição forçada para a educação a distância somadas à ausência de um direcionamento abrangente e claro do governo federal são elementos que trazem poucas respostas a esse dilema da desigualdade. Afinal, entre os alunos de 6 a 19 anos que frequentam a escola, quase 20% não têm acesso à internet e, se considerarmos apenas os mais pobres, a rede não chega à quase metade dos domicílios, ainda de acordo com levantamento feito pelo Instituto Ayrton Senna e Oppen Social com base na PNAD-C/IBGE de 2017.
Portanto, a escola, que deveria oferecer especialmente aos mais vulneráveis condições de ascensão social, acaba por reforçar diferenças exacerbadas pela pandemia. Como consequência, contribui indiretamente para o abandono de estudantes que já contavam com menos oportunidades de aprendizado em casa, como acesso a livros e cultura, e famílias com menos chances de apoiar no desenvolvimento.
Evitar que essa tragédia chegue às consequências finais é urgente. Assim como na saúde, é a evidência científica que deve pautar as políticas públicas no que tange à educação. Há estudos que mostram que a ausência de aulas, como as férias, tem alto impacto negativo sobre o aprendizado de um estudante. Portanto, ainda que haja soluções paliativas como o ensino a distância em função do fechamento das escolas, não podemos perder de vista o principal, que é o retorno às aulas e à aprendizagem no espaço escolar.
Outras situações de calamidade já vivenciadas pela humanidade, como o genocídio de Uganda, em 1994, e a passagem do furacão Katrina por New Orleans, em 2006, trazem boas evidências. Ambas as tragédias ceifaram vidas, ampliaram a pobreza e impingiram situações de redução de bem-estar físico e mental, mas tiveram desfechos diferentes.
No primeiro caso, as políticas públicas de retomada focaram no atendimento de necessidades básicas como inclusão e alimentação de estudantes e famílias, mas foram necessários até 16 anos para retomar níveis de escolarização pré-crise. Já no segundo caso, em New Orleans, políticas públicas com foco na gestão e na capacitação de professores e diretores alçaram escolas que anteriormente eram de pior nível a um patamar superior de aprendizagem em dois anos. É também possível encontrar exemplos em território nacional, como Sobral (CE), que reforça a importância dessas alavancas para a maior eficiência de resultados e menor desigualdade educacional.
As evidências mostram, portanto, que é possível sair dessa pandemia melhores que entramos. Melhores para nos colocarmos empaticamente no lugar dos novos vulneráveis que, infelizmente, serão gerados. E, acima de tudo, mobilizados para aproveitar esse momento, usando todo o esforço necessário da reconstrução para alcançarmos patamares superiores e menos desiguais que os que tínhamos quando tudo começou. É imperativo cuidar para que as desigualdades educacionais já inaceitáveis no Brasil não encontrem terreno para crescer.
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