Crianças pobres, negras e nordestinas se alfabetizam mais tarde do que as ricas, brancas e moradoras de outras regiões do Brasil, devido às desigualdades social, racial e regional.
Crianças pobres, negras e nordestinas se alfabetizam mais tarde do que as ricas, brancas e moradoras de outras regiões do Brasil, devido às desigualdades social, racial e regional. Os 25% das crianças com menor nível socioeconômico no país chegam a se alfabetizar um ano mais tarde do que os 25% das crianças mais ricas. É o que apontam cruzamentos realizados por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.
Os dados foram apresentados recentemente no evento “Alfabetização 360º na perspectiva da educação integral”, realizado pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com o Canal Futura e apoio da Casa Natura Musical. Durante o evento, representantes do Instituto explicitaram que a alfabetização é um pilar estratégico para o processo de formação e desenvolvimento pleno de crianças e jovens. Sendo assim, deve transcender a necessidade de domínio da leitura, da escrita e do cálculo, e se juntar ao desenvolvimento de competências socioemocionais e de diferentes linguagens.
No painel “O diagnóstico da alfabetização no Brasil”, Paes de Barros explicou que as desigualdades pontuadas anteriormente levam a própria alfabetização a ser um fator de desigualdade entre diferentes crianças. “A missão da alfabetização era nivelar o ponto de partida, mas, na verdade, no nosso sistema educacional, a alfabetização desnivela o ponto de partida. […] Entre crianças de seis e sete anos de idade, a educação já está construindo uma sociedade desigual em termos da capacidade de conhecimento da língua. […] Imagine as consequências que isso tem sobre o aprendizado e todo o desenvolvimento”, disse.
O pesquisador também destacou a existência de desigualdade nos índices de alfabetização de escolas públicas localizadas em áreas igualmente pobres. “Em regiões brasileiras com mesmo baixo nível socioeconomico, há escolas onde todos os estudantes são alfabetizados praticamente todos são analfabetos”, disse.
Impactos da alfabetização
Mas, afinal, que diferença a alfabetização faz para a vida cotidiana das pessoas? Dados do Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional) mostram que apenas cerca de 20% dos analfabetos funcionais conseguem sacar dinheiro no caixa eletrônico de um banco ou ler e entender etiquetas de produtos de consumo, enquanto 80% das pessoas que não são analfabetas funcionais são capazes de realizar tais ações.
“Apenas 20% dos analfabetos funcionais têm computador em casa versus 60% dos plenamente alfabetizados. Ou seja, o analfabetismo tem um impacto enorme no dia a dia, na hora que saíamos de casa e vamos fazer uma compra ou pegar um ônibus, mas também tem impacto de longa duração naquilo que somos capazes de realizar e alcançar quanto ao nosso projeto de vida”, falou Paes de Barros, destacando ainda relação entre a alfabetização e o aprendizado de Matemática.
Segundo o pesquisador, hoje, o Brasil tem cerca de 2.000 municípios em que mais da metade das crianças tem proficiência inadequada em leitura e em matemática ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. “Fica claro que quem não sabe ler não aprende Matemática”, concluiu.
Ao mesmo tempo, o país tem cerca de 270 municípios em que mais de 75% das crianças têm proficiência adequada em leitura e Matemática. A maioria dessas cidades está no Estado do Ceará. “Por que aqueles 2.000 municípios não aprendem com esses 270? Nós sabemos alfabetizar, mas temos certa dificuldade de copiar os bons exemplos”, afirmou.
Analfabetismo no Brasil e no mundo
Outros dados alarmantes foram lembrados pelo pesquisador durante o evento: 55% dos estudantes que estão no final do 3º ano do Ensino Fundamental não possuem aprendizado adequado em leitura, e esse índice chega a 34% com relação à escrita, segundo dados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) 2016. “Além disso, o Brasil é um país onde 20% das crianças de sete anos e meio não estão alfabetizadas”, contou Paes de Barros.
Com relação à taxa de analfabetismo entre jovens no mundo, destacou que o Brasil está pior do que praticamente todos os países latino-americanos, com exceção de El Salvador, Suriname, Colômbia e Paraguai. “Portanto, praticamente todos os países sul-americanos, inclusive os mais pobres, como a Bolívia, têm um grau de alfabetização entre jovens mais alto do que o Brasil”, disse.
Entre os BRICS (grupo de países com desenvolvimento econômico emergente, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil tem uma taxa de analfabetismo entre jovens menor apenas do que a Índia.
“Percebemos que os países em que as pessoas conseguem ler produzem mais por trabalhador, e, portanto, têm mais renda por trabalhador, mais salários altos e mais riqueza”, concluiu Paes de Barros, destacando exemplos como Noruega, Japão, França, Irlanda e Estados Unidos.
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