Um retrato da alfabetização e da desigualdade no Brasil

Estudo do Instituto Ayrton Senna e IDIS demonstrou que para cada R$1 investido em programas de alfabetização, são gerados R$18,56 em benefícios para a sociedade.

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Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo

Por Daiane Zanon, Gerente Sênior de Dados, Avaliação e Monitoramento no Instituto Ayrton Senna, Gabriela Cáceres, Gerente de Avaliação e Monitoramento no Instituto Ayrton Senna e Denise Carvalho, Gerente Sênior de Monitoramento e Avaliação no IDIS 

A educação é uma das ferramentas mais poderosas para reduzir desigualdades. Mas, no Brasil, esse caminho ainda está longe de ser uma realidade para todos. Um estudo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) revelou que entre as crianças pertencentes à metade mais pobre da população, apenas 10,8% conseguem alcançar o grupo dos 25% mais ricos na vida adulta. Essa baixa mobilidade social está diretamente ligada ao acesso desigual à educação, especialmente nos primeiros anos escolares. 

O resultado do Indicador Criança Alfabetizada, recentemente divulgado pelo Ministério da Educação, mostra que apenas 59% dos alunos estão alfabetizados ao final do 2º ano do Ensino Fundamental. Isso significa que quase metade das crianças brasileiras não desenvolve, no tempo adequado, as habilidades básicas de leitura e escrita. E quando a alfabetização falha no início da trajetória, os prejuízos se acumulam: o aluno passa a ter mais dificuldade para acompanhar os conteúdos, corre maior risco de repetência e abandono e se afasta das oportunidades que a escola deveria garantir. 

Entre os mais afetados estão os estudantes em atraso escolar – um grupo numeroso e frequentemente deixado para trás. Embora a taxa de distorção idade-série nos anos iniciais tenha caído pela metade na última década (de 14% para 7%), ela ainda é quase o dobro nas escolas públicas em comparação às privadas. Essa desigualdade também fica evidente na forma como cada criança é apoiada ao enfrentar dificuldades. Uma criança de família com maior renda, ao ter problemas na escola, costuma contar com aulas de reforço e apoio em casa. Já uma criança em situação de vulnerabilidade, muitas vezes segue adiante sem aprender, acumulando frustrações que comprometem toda a sua trajetória escolar e de vida. 

Artigo IDIS - Instituto Ayrton Senna

Um exemplo é o de Ronaldo Lima Santos, de Itabaiana (SE), egresso do programa Se Liga, desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a rede pública local. Aos nove anos, ele vendia frutas com o pai, tinha muita dificuldade para ler e escrever e já acumulava uma série de reprovações. Sentia-se inferior aos colegas e evitava ir à escola. Foi ao entrar no programa de recomposição de aprendizagem que sua trajetória começou a mudar: passou a ter aulas adaptadas às suas necessidades, recuperou a autoestima, aprendeu a ler e escrever e seguiu em frente.

Em um depoimento gravado na época, Ronaldo dizia:

“Eu me olhava no espelho e me achava um menino bruto, idiota. Agora me olho no espelho e vejo um menino inteligente, sabido.”

Hoje, já adulto, ele é empreendedor, tem autonomia financeira e movimenta a economia local. Sua história é um lembrete potente de como a alfabetização pode transformar não só a trajetória escolar, mas a forma como a criança se enxerga e sonha com o futuro. 

E os dados mostram o quanto esse tipo de intervenção vale a pena. Um estudo do IDIS, encomendado pelo Instituto Ayrton Senna, aponta que cada R$ 1 investido em programas de recomposição da aprendizagem para alunos em atraso escolar gera R$ 18,56 em benefícios para a sociedade. A Avaliação de Análise Custo-Benefício (ACB) compara os benefícios sociais, econômicos e ambientais gerados por uma iniciativa, com os recursos investidos para sua implementação. Essa comparação tem como base a análise de uma série de evidências para responder, principalmente, três perguntas: qual a transformação social, econômica ou ambiental provocada pelo investimento; qual o valor econômico (ou estimativa) das transformações geradas; e por quanto tempo as transformações serão percebidas. A partir desta análise, portanto, é possível perceber que os programas como o Se Liga e o Acelera Brasil, desenvolvidos em parceria com redes públicas de ensino, conseguem virar o jogo na educação, oferecendo apoio adequado e de qualidade. 

Para romper o ciclo da desigualdade, é preciso colocar as crianças que mais precisam no centro das políticas públicas. Garantir o direito à aprendizagem – inclusive para quem já está em atraso escolar – é um investimento que beneficia a todos. O Estado economiza com repetência e abandono, e os estudantes ganham mais chances de concluir os estudos, acessar boas oportunidades e contribuir para o desenvolvimento do país. 

Por outro lado, as perdas de uma educação falha são imensas. O estudo “Consequências da violação do direito à educação”, desenvolvido pelo Insper em 2021, estima que cada jovem que não conclui a educação básica representa um prejuízo de R$ 395 mil para a sociedade. Somando todos os jovens que devem evadir a escola, o custo pode passar de R$ 220 bilhões — o equivalente a 3,3% do PIB nacional e mais de quatro vezes o investimento necessário para garantir uma trajetória regular de escolarização. 

Mas, no fim das contas, o impacto de garantir a aprendizagem adequada vai muito além dos números. Ele está na história de cada criança que, ao aprender a ler e escrever, começa a acreditar em si mesma. Ronaldo é a prova disso. E sua trajetória nos lembra que milhões de outras crianças ainda esperam por essa mesma chance. 

Instituto Ayrton Senna
Instituto Ayrton Senna Organização sem fins lucrativos comprometida com a educação

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